Sobre o Circuito Osmar, de mão única

18/06/2009 at 18:34

Quando soube que não mais existiria o trecho da Avenida Carlos Gomes no circuito carnavalesco do Campo Grande também fiquei preocupado. Primeira pergunta que me ocorreu: “e os Filhos de Gandhy? vão subir por onde?”. O Gandhy, pra quem não sabe, nunca desce a Avenida Sete de Setembro. Saem do Pelourinho, depois de arriar o padê de Exú, e sobem a Carlos Gomes até o Campo Grande. É assim a 60 anos, desde o tempo em que tinha bonde.

Hoje, vi as explicações do presidente do Conselho Municipal do Carnaval, Fernando Bulhosa. Bulhosa representa os blocos de trio (a.k.a.: o axe-sistem), portanto não poderia ser mais suspeito. No entanto sua fala frisa a decisão unânime dos 25 conselheiros, e que a Carlos Gomes vai continuar existindo como uma primeira-envolvente (o que na prática ela já tem sido a um punhado de anos) para manifestações populares espontâneas.

Manifestações populares espontâneas significa A Mudança do Garcia (bloco tradicional de xibietagem porra-louca, que inclui jegues enfeitados e travestis de todos os gêneros. O sambista Riachão é um dos fundadores do bloco), samba do Largo dos Aflitos, e eventualmente o rockizinho do Largo Dois de Julho.

Isto significa que a Carlos Gomes pode se tornar o primeiro passo para adotar uma solução recifense bastante funcional: pólos fixos. Foi tentada em 2008 no Rio Vermelho, com sucesso (houve palco de samba, de jazz, de chorinho e de rock, e o mini-trio dos Retrofoguetes). Na Carlos Gomes, a Praça Castro Alves seria o pólo de fim do desfile (como historicamente sempre o foi), e os outros dois eu já citei aí.

E o Gandhy? Continua subindo com seus 10mil homens de branco, alfazemas e turbantes pela Carlos Gomes – agora livre (e sem ter de ficar negociando a entrada com os blocos de abadá – ora muito gentis, ora provocando espancamento institucional, como o Chicretão fez em 2006). E arrastando sua multidão fiel (eu incluso). Alguém pode dizer que se perderia o efeito “tapete branco”. Em parte, mas o trecho que vai do início da Rua Chile ao Edifício Sulacap daria bons meio-quilômetro desta experiência estética de enxer os olhos.

É uma solução inteligente para um circuito que estava morrendo. Solução esta que se coaduna com as investidas para revitalizar a área em outras épocas (como o Centro Cultural da Barroquinha, o Unibanco Arteplex Glauber Rocha, etc).

Eis que estou elogiando uma decisão da Gestão João Henrique Carneiro? Sim, mas justamente não é culpa dele essa melhora. Ela é fruto da amplificação e modificação do Conselho do Carnaval (na Lei Orgânica do Município), último ato do Prof. Paulo Costa Lima a frente da Fundação Gregório de Mattos (que é quem administra a Cultura no âmbito municipal). A partir desta mudança, órgãos públicos e privados de cultura passaram a ter assento (antes, era só de turismo), e os blocos afro ganharam mais voz. Tá aí o resultado: nada como o perfume da democracia…!

O primeiro mandato de João Henrique foi sustentável e razoável porque ele tinha ao redor dele a fina-flor da intelectualidade orgânica de centro & esquerda: de Nestor Duarte (PSDB) a Olívia Santana (PCdoB). Hoje, só tem bur(r)otécnicos – uma vez que até os tucanos, vice na sua chapa original, romperam com ele.

Mostra também que mesmo o empresariado do axezismo começa a reconhecer a necessidade da pipoca e da diversidade pra que seu negócio sobreviva (afinal, a decisão foi unânime, e presidida por Bulhosa). Isso já repontou esse ano ao longo do carnaval, e depois, tendo seu ápice quando o Troféu Dodô & Osmar resolveu incluir a categoria Melhor Pipoca (levada aliás, creio, pelo Retrofoguetes).

Ainda falta muito. Falta universalizar os pólos para a Ribeira, o Rio Vermelho, e outros bairros históricos. Falta permitir a entrada de pipoca ao lado da corda no setor de avaliações do desfile (em frente ao Teatro Castro Alves). Mas que é um passo histórico, é!