O Teatro UEC morreu? Antes ele do que eu!

10/05/2010 at 6:36

Não tem muito sentido a eventual grita da classe média-alta pitubana em relação ao fechamento do Teatro Jorge Amado na Praça Nossa Senhora da Luz – tanto assim que mesmo o povo do Cultura na UTI não tem reclamado disso.

O Teatro do UEC nunca foi fundamental para o desenvolvimento do teatro ou da dança na Bahia. Mesmo nos áureos tempos em que os bichos falavam, ACM era vivo, o Teatro Martim Gonçalves (da Escola de Teatro da UFBA) estava numa eterna reforma e Aninha Franco e Marcio Meirelles eram compadres, o Teatro do UEC nunca fez nada, e muito menos tanto ao contrário, para participar da resistência ao axé-sistem que se deu principalmente através do teatro aqui produzido e do cinema aqui exibido. Basicamente, o Teatro do UEC recebia produções midiáticas do centro-sul do país, de qualidade por vezes duvidosa, a ingressos caríssimos e pautas idem – nada poderia ser mais colonialista. Enchia? Claro que enchia! – enchia dos moradores dos arrabaldes do Itaigara que, sem nunca pisar no Pelourinho ao longo de décadas, dizem que o mesmo está abandonaaaaado…

Vá lá, pode-se alegar que é um espaço teatral excelente, especialmente para pequenos concertos de câmara e de jazz; e que sediou os ensaios da Orkestra Rumpilezz ano passado por quase 6 meses. Certo, e o que mais? Nada.

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Lembro-me de, na hoje já mítica e sempre fulcral Discussão Pública sobre o Carnaval no Teatro Vila Velha em 2007, o Secretário Estadual de Cultura (que estava como ouvinte, na platéia) ter pedido a palavra e frisado algo que é sempre esquecido: o teatro, diferentemente do cinema, é uma atividade deficitária, que não se sustenta sem grandes investimentos estatais ou filantrópicos privados. Porque o cinema é industrial, e o teatro é sempre artesanal; e daí que os grandes espaços cênicos do planeta sejam estatais: o Castro Alves em Salvador, as Óperas de Sidney (Austrália), Viena e Paris; o Royal Albert Hall de Londres; a Sala São Paulo, na locomotiva neoliberal do Brasil, etc. Bem como as grandes companhias, especialmente de dança: o Guaíra de Curitiba, o Corpo de Baile do Municipal do Rio de Janeiro, o American Balet Theatre de Nova York, o Kirov e o Bolshói, Russos.

Não quer dizer que não possa haver teatros privados, só que estes se sustentam melhor quando não têm fins lucrativos (e acabam sendo, hoje, Pontos de Cultura além de receberem poupudas ajudas dos governos estaduais – no mesmo sentido que os hospitais filantrópicos fazem no Sistema Único de Saúde). De novo, alguns exemplos: o Teatro XVIII e o Vila Velha, na Bahia; o Teatro Brasileiro de Comédia e o Oficina, em São Paulo; o Tablado e a Sala Cecília Meirelles, no Rio de Janeiro.

Ainda há, na Bahia e alhures, exemplos de salas privadas com fins lucrativos, ligadas a cursos de idiomas, que nem por isso funcionam de modo colonialista ou fazem cair a qualidade do que apresentam. O Teatro ACBEU e do ICBA (ambos dentro do Centro Expandido de Salvador, e a menos de um quilômetro do Centro Antigo – frise-se porque isso faz toda diferença) são bons modelos, inclusive tendo participado historicamente do Mercado Cultural Mundial e do FIAC.

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Não obstante, menos um teatro num bairro ao mesmo tempo rico e sem recursos culturais como a Pituba é coisa grave. É parte do processo de feira-de-santanização da Salvador que fica fora, e ao norte, do Rio Vermelho. É algo sobre o que uma Prefeitura séria tomaria a frente. Até por ser uma questão de ocupação urbana, e a desertificação da Pituba a partir das 21h gera todo tipo de transtorno, de mobilidade a criminalidade, que só pode ser resolvido com gente ocupando a rua por mais tempo (nos poucos lugares da Pituba em que isso ocorre, vai tudo muito bem, obrigado).

Mas, como a Prefeitura de Salvador não tem, e não acha que deva ter, uma Secretaria específica de Cultura, nada faz e nem é cobrada. Eis um truque que João Henrique aprendeu bem: se fingir de morto. Aí recai a cobrança sobre a Secretaria Estadual de Cultura. Por que uma das maiores Secretarias Estaduais de Cultura do país, no quinto maior estado geo-demograficamente da nação, teria de se ocupar do fechamento de um teatro de um bairro suburbano endinheirado da capital? Quando o Teatro XVIII fechou, apesar de todos os erros de Aninha Franco, dizíamos aqui que a Secretaria Estadual de Cultura tinha de tomar para si a responsabilidade: trata-se de um teatro histórico, com produções próprias e autorais, dentro do Centro Antigo da capital; o mesmo dissemos sobre o Museu Carlos Costa Pinto. Isso não se aplica contudo a um teatro na Pituba que sequer tinha grupo fixo, e nunca se prestou a participar de nenhum dos quatro festivais de teatro que Salvador sedia no ano.

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Por fim, o UEC Pituba fecha por uma questão objetiva: devia ao Desenbahia, refinanciou sua dívida e ainda assim não a consegue sanar. O que nos faz pensar se o fato de ter um Teatro não era mera fachada para conseguir reduções tributárias através da Lei Rouanet e do Faz Cultura (dois mecanismos neoliberais e, como qualquer um que acompanha a discussão de política cultura desde a gestão de Gilberto Gil no Ministério sabe, profundamente deletérios).

Quem disse que, por isso, a Pituba deixará de ter um teatro com as qualidades físicas do Jorge Amado? É perfeitamente possível que, com o recebimento do prédio como quitação da dívida (até porque este não pode ficar com o Desenbahia, que teria de leiloá-lo), o mesmo passe para as mãos da Secretaria Estadual de Cultura e se torne um equipamento cultural da rede própria da mesma; ou cedido em comodato para alguma entidade que possa de fato fazer deste teatro um núcleo fomentador de artes cênicas locais (sem deixar de receber trabalhos de outros estados, claro).

Uma Reforma Cultura, positiva e propositiva, que amplia acessos, não se dá apenas abrindo e recuperando espaços. Por vezes, o fechamento de algum equipamento cultural faz parte do processo – desde que isso seja um efeito colateral da ampliação da rede. Ao nosso ver, é o caso.

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Post Scriptum

Duas notícias não diretamente relacionadas ao Teatro do UEC, mas importantes. O Faz Cultura tem agora nova lei orgânica que permite que pequenos e micro-empresários financiem projetos culturais e tenham respectivos abatimentos fiscais. Continua neoliberal, mas é bem mais inclusivo, eficaz e democrático este mecanismo novo do Faz Cultura. Neoliberal popularizante, isto é: a cara do PT…

Ironias a parte, é uma das duas faces fundamentais para transformas as Políticas deste Governo em Políticas de Estado. A outra é votar a Lei Orgânica da Cultura, que está sob consulta pública para quem quiser ver.

Políticas Públicas quando dão certo contaminam espontaneamente o capital privado. É o que aconteceu com o Programa Carnaval Pipoca: em 2011, o Bloco Eva já disse que só sai na avenida na terça-feira de Carnaval se for totalmente sem corda. E Bel Marques, do Chicretão, tem reclamado de não conseguir ver seu público fiel (é das poucas bandas de axé-music que não desgarrou sua identidade do povão da Reconvexa), espremidos entre os balões de propaganda e os muros de São Bento. Quem diria hein?