Uma Campanha Ambi-Destra (e frise-se o “destra”!)
Desde semana passada, nos mais diversos meios políticos da Cidade de São Salvador, e possivelmente no interior do estado também, só se fala inflexão escandalosa de Jaques Wagner ao escolher para seu vice Otto Alencar, ex-Secretário de Saúde de ACM em pessoa, ex-vice de César Borges naquele mítico e luminoso governo em que houve duas greve da polícia, grampos ilegais na Secretaria de Segurança e se invandiu um campus federal para espancar adolescentes.
Wagner poderia manter o fidelíssimo Edmundo Pereira, a quem deve e reconhece que deve parte de sua vitória em 2006; poderia ter se reaproximado do PSDB e escolhido um nome de consenso; poderia optar por Marcelo Nilo, por Lídice da Mata ou por sua ex-mulher Bete e dissuadir o PV de ter candidato próprio. Talento e capital político para tal ele tem. Mas não: ele preferiu Otto Alencar.
Já dissemos antes que Otto Alencar numa vaga senatorial da chapa de Jaques Wagner é perfeitamente suportável. O perrengue é com a vice-governadoria: reeleito, o Galego sai em 2014, e o governo passará no mínimo 8 meses no colo de carlista (sem ex- como prefixo) ideológico.
Ora, Otto não agrega voto a Wagner, nem César que tem uma de suas vagas senatoriais (em 2002, se elegeu senador como poste de ACM); nem Wagner traz voto a César, um peso-morto político. Não interessa a nenhuma facção bahiana essa aliança – sequer a Paulo Souto, que perde lastro em sua chapa.
Interessa a quem? A Lula e sua sanha de eleger Dilma a qualquer custo. Otto, do PP, e César, do PR, dariam “governabilidade” (é o deus PTista equivalente a “mercado”, dos tucanos). O custo podia ser o Maranhão, mas este negou-se a tal semana passada, e ainda bem. Rife-se a Bahia, então. A federação continua a tratar seu estado-mãe como puteiro.
A Bahia sempre foi fidelíssima a Lula, não merece ser sacrificada assim – pensaria o leitor. Mas, como diz Alon Feuerwerker, o poder de Lula é solar: próximo, aquece; mas muito próximo, queima, seca e mata. Lula trata com fidelidade os aliados de ocasião, e com crueldade os aliados históricos e ideológicos. É o que faz atualmente com Ciro Gomes, por exemplo.
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Que Lula queira rifar a Bahia, é normal conquanto inaceitável. Anormal é que Jaques Wagner não oponha força a isso! Wagner deu ao PT sua maior vitória política: governar a Bahia, e governar bem; extinguir o carlismo. Seria hora de cobrar a conta. Qual nada!, ele vai lá e paga pra sofrer.
O capital político de Wagner se firmou nos últimos três anos como alguém cuja imagem não cola no PT – tal como Aécio não cola no tucanato. Um partido que tem horror a polidez e erudição, o dos Trabalhadores, tem como seu principal governador um homem que conhece profundamente a história da Bahia e que é reconhecidamente – até seus adversários admitem – um gentleman. Num partido que adora arvorar-se a ser “a primeira esquerda do Brasil”, negando o passado, Wagner cita a cada discurso Octávio Mangabeira, Antonio Balbino e Luiz Vianna Filho, justamente resgatando este passado. Num partido que tergiversa sobre a ética, Wagner falou claramente sobre o que foi o mensalão (e sua relação com a campanha municipal de 2004) e o que pensa de Daniel Dantas (mesmo sendo amigo íntimo de Carlinhos Rodemburg). Faz um governo que, embora nem tão de esquerda assim (na verdade, corretamente uma coligação de abertura e redemocratização), não tinha vergonha de ser ou parecer de esquerda.
Foi tudo por água abaixo agora, num ato que só posso entender clinicamente como anulação: particularmente comum em pacientes neuróticos obsessivos, é um mecanismo inconsciente que produz, ao cabo de atos sequencialmente bem-sucedidos, um último que torna todos os anteriores nulos.
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Vale no entanto algumas piadas. César Borges e Lídice da Mata na mesma propaganda eleitoral para senado formam a Chapa Síndrome de Estocolmo, para qual sugiro um slogan desde já: “A Espancada & O Espancador“.
E Otto + César + Wagner me causa uma sensação de Sacro-Império Romano-Germânico, com todo atraso e barbárie que este representou. Daí que, vitorioso, talvez se encomende uma montagem de O Anel Dos Nibelungos na Bahia. Na verdade, uma versão em pagodão e samba-reggae para O Ouro do Reno – com o título O Cobalto do Paraguaçú. Carla Perez cantará a Cavalgada das Walkírias (com dábliu, ao contrário do que se pode supor em homenagem a Waldir Pires) durante a cerimônia de posse, no Palácio Rio Branco no dia 1º de janeiro de 2011.
Geddel evidentemente posará de Loki.
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Alguns sujeitos mais ou menos próximos aos altos escalões do Governo Estadual me alertaram sobre uma coisa: Jaques Wagner, ele mesmo, não deu declarações sobre a chapa. Apenas os outros componentes deram. É do estilo dele só se pronunciar em último momento, e deixar os outros falando para ver no que dá – como balão de ensaio. Foi assim com Geddel e João Henrique. Em xadrez, é o tipo de jogador que só usa as peças figuradas lá pra quinta ou sexta jogada – até lá, move apenas peões. (Aproveitando a metáfora: Geddel continua paralisado em seu pequeno-roque).
E mais: que quem noticiou isso foi Rosane Santana. Embora seja no Terra Magazine, revista confiável e aliás assumidamente wagnerista a seu modo, Rosane é aquela senhora que diz talvez o Neojibá não tenha qualidade estética ou efeito social importante. Quer dizer: esta moça acha que Sir Warren-Green, Daniela Mercury e Letieres Leite são loucos varridos que não entendem nada de música. Ela, no entanto, entenderia…
Por mais que seja na Terra Magazine, vindo de quem vem é bom desconfiar. Pode ser barrigada.
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O argumento do Governador Jaques Wagner para uma tal chapa (que Otto seja vice resta dúvidas; que ele e César estarão nela não) é que “não há mais carlismo e carlistas”.
Ah, não, Governador?! Quer dizer então que eu posso votar em Paulo Souto sem medo. Ou em Geddel, que em nada traz métodos do passado. É isso?
Esta colocação discursiva de Wagner nem serve bem como desculpa, e embora neutralize politicamente o inimigo afirmando sua inexistência, pode fortalecer o(s) adversário(s) eleitoralmente: já que não há diferenças nem de composição, nem ideológica, entre Jaques Wagner e o resto, qualquer um serviria.
Quero crer que o Governador não pensou nesse óbvio efeito colateral…
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