Bó de bike, Salvadô?!

17/08/2009 at 13:01

TA

Relações possíveis & impossíveis entre um plano cicloviário e a barroquíssima Capital da Diáspora*

Tendo iniciado o uso de transporte cicloviário na cinquecentenária cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, este blog Transporte Ativo me pediu duas ou três palavras a respeito. O pedido partiu de uma pergunta feita no twitter: “há cicloativistas em Salvador?”. Ao que respondi: “Há, mas não no sentido de promovê-la como meio de transporte cotidiano, ou de integrar a bicicleta a outros meios de transporte como ônibus e elevadores urbanos – o que não quer dizer que não existam usuários de bicicleta como principal meio de transporte urbano diário”.

Pedir para que eu escreva sobre bicicletas em Salvador implica em duas peculiaridades. A primeira, em relação a mim: vindo da psicanálise, não posso pensar qualquer relação fora da pulsionalidade – isto é, dessa coisa que é possível e impossível ao mesmo tempo. A segunda, em relação ao objeto, à cidade em questão: sem dúvida, talvez seja a capital potencialmente menos ciclística do mundo! Mas não quer dizer que não possa haver transporte cicloviário aqui – uma impossibilidade não é, do ponto de vista de um psicanalista, uma impotência (assim o é para os neuróticos).

Em psicanálise se diz que, por causa das consequências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos, não existe relação sexual: ela é impossível. No entanto as pessoas transam e se divertem – é onde está a relação possível (embora sempre falhada) entre os sexos. Penso que a relação dos citadinos com uma cidade se dá na mesma lógica: por causa da anatomia (geográfica) será sempre uma relação insatisfatória – e, por causa de sua historicidade, se pode gozar dela com certa felicidade.

No entanto, assim como a impossibilidade sexual não se coloca da mesma forma pra duas ou mais pessoas (cada um tem seu modo de fazer falhar o sexo), a impossibilidade que é a vivida em grandes aglomerados urbanos não é igual pra duas ou mais cidades. Assim como não se goza da mesma forma de duas cidades diferentes. De tal modo, a impossibilidade do uso de bicicleta em Salvador não é maior do que em outros lugares – é apenas de outra ordem.

* Série de três artigos feitos a pedido do blog da ONG Transporte Ativo, conforme divulgamos, a sair um por mês, até outubro.