Quem tem medo de Editais?

22/04/2009 at 17:42

O músico Paquito, a quem admiro imensamente e que tem sido um dos apoiadores da política cultural de Marcio Meirelles, dá uma escorregada pras bandas de Aninha Franco hoje, no Terra Magazine. Observem:

Se o leitor é ligado à produção independente e já concorreu a um edital de cultura, sabe do que vou falar. Se já concorreu e perdeu algumas vezes, talvez nem queira ouvir falar, pois, em determinadas circunstâncias, a palavra assusta: edital. Mas o fato é que, hoje, na cultura brasileira, vive-se a era deles, os tais dos editais.

Compreende-se a necessidade de concursos públicos para democratizar o acesso ao recurso também público, ainda mais num período em que, no caso da música, a profissionalização vive dias movediços: os artistas se viram pra sobreviver e, fora os já estabelecidos de outras eras, a transição entre um mundo pré-digital e um mundo digital comporta um universo de incertezas.

No entanto, o que teria chegado pra facilitar às vezes torna-se um dificultador. Basta estar diante de um formulário elaborado para os tais fins. Catatau é o que melhor define o manancial de dados que se tem que dispor para fazer jus a esse tipo de apoio.

O esquema de redação de um texto desse tipo, dividido entre justificativa, apresentação, descrição e objetivos, é empobrecedor pra um coração & cérebro dado aos ofícios nefelibatas, além do que muito do que se redige, pra atender às expectativas dos gestores, acaba se reduzindo a um amontoado de clichês.

(…)

Pra isso, supõe-se, existem os produtores culturais, que já têm até uma faculdade que os forma na Bahia. Então, o problema estaria resolvido. Não é bem assim, pois, ainda na Bahia, de onde escrevo estas mal traçadas, muitos dos qualificados produtores culturais estão… no governo! E, como parte do governo, eles não podem, pelo menos legalmente, se envolver em concorrências públicas.

E o estado, como mero repassador de recursos que tudo terceiriza, não aproveita a vocação e experiência de muitos que trabalham sob suas hostes, no sentido de, por exemplo, oferecer suporte técnico a um artista iniciante ou até a algum independente de longa data. O recurso é dado ao artista e ele que se vire para cumprir as devidas demandas.

Primeira inverdade: uma das linhas da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia é dar total suporte técnico, através de seus quadros, antes, durante e depois dos certames. Justamente para que artistas vindos de classes sociais mais pobres, e portanto com menos “capital linguístico” digamos assim, possam concorrer em pé de igualdade.

E isso pode ser comprovado em pelo menos um grande evento cuja execução foi mais-que-perfeita: Festival Internacional de Artes Cênicas – FIAC.

Sem contar que alguns editais pedem inutilidades mesmo, submetendo o artista a uma sabatina pra atestar a seriedade do seu fazer artístico, como se fôssemos todos um bando de aventureiros que não têm o que fazer da vida, a não ser passar o tempo preenchendo as incoerências de um concurso público.

Continua.

Ora, eu participo de editais de concurso literário, públicos e privados, desde que me entendo por gente. São chatos e arbitrários? Às vezes sim. Mas não há outro jeito.

Como sou servidor público concursado duas vezes. Concursos públicos têm por vezes critérios arbitrários, para não dizer injustos. Digo deles o que Winston Churchill dizia do voto e da democracia: é o pior sistema – salvo todos os outros.

Paquito tem alguma idéia melhor para democratizar e agilizar o acesso a produção cultural? A Lei Rouanet, como todo mundo sabe, não funcionou direito. Os caminhos de uma democracia de estado são estes: editais, licitações, concursos, certames. Transparentes ao limite do impossível. E em constante revisão. Dá trabalho, mas ninguém disse que a democracia era um prêmio – parafraseando o que o Cristo de Norman Mailer diz sobre o amor: “é antes o duro caminho para um outro estado de coisas, este sim tão melhor quanto inacabado”.

É o mesmo Paquito que reclama, e com razão, do nome – “feio” – do Espicha Verão; mas que não reconhece nele um evento premiado como o melhor investimento, público ou privado, em turismo no Brasil por dois anos.

Isto me alerta para um fato: se até Paquito fica incomodado em participar de editais (nós, escritores, nunca ficamos), a mentalidade bahiana vai dar muito mais trabalho pra mudar do que supunha. Coragem, Seo Marcio!