Prazeres na OSBA
A opção da direção do Teatro Castro Alves pelo nome do jovem (e belo!) carioca Maestro Carlos Prazeres para dirigir a Orquestra Sinfônica da Bahia é, de modo nada óbvio, muito acertada em diversos sentidos. A primeira, e mais evidente, é o fato de que, em duas décadas, Prazeres é o primeiro maestro de formação a dirigir a OSBA – Ricardo Castro, a quem inclusive o novo diretor da orquestra reconhece como excelente gestor, turning-point dessa isntituição, era pianista; Eric Vasconcelos, fagotista.
Não é mera questão de nomenclatura: administrador atento e ágil, Ricardo Castro no entanto nunca conseguiu conduzir a orquestra senão dentro da correção técnica – nada de interpretações pessoais, ou diálogo mais íntimo com cada naipe em momentos precisos. Isto acontecia, é verdade, quando tínhamos maestros visitantes, e os tivemos muitos e bons vindos do estrangeiro, graças ao trânsito diplomático de Ricardo. Neste ponto a OSBA deve sofrer leve retrocesso: Carlos Prazeres transita melhor na esfera nacional, nem tem a capacidade de garimpar instrumentistas excelentes mais fora do mainstream como Ricardo teve.
Já com Carlos Prazeres a frente, quem esteve ontem no TCA notou interpretações personalíssimas, um trânsito invulgarmente penetrante em cada parte da orquestra e por vezes em cada músico, com um maestro que parecia se desdobrar em 3 ou 4 em determinados instantes. Se a OSBA havia se tornado uma orquestra de repertório ligada ao Romantismo Tardio, havia nelas excessos de instrumentação algo barrocos – excessos estes que só notei agora que Prazeres os começou a limpar: um Wagner sem solenidade, dançante mas sem resvalar no cômico convencional dos Mestres Cantores de Nuremberg; um Tchaicovsky bem menos ligado a sinfonia tradicional do século XIX – antes, apontando para uma sinfonia feita mais de notas íntimas, um roman-a-clef mais do que a grande narrativa oitocentista – um Tchaicovisky, enfim, inesperadamente mais próximo de Prokofiev e Rachmaninoff – e, por que não?, Bela Bartok – do que de Brahms ou Schubert.
Faria, mas não faço, um senão para a escolha de uma peça contemporânea inglesa, claramente dodecafônica e que por pouco não foi um corte a facão no repertório de transição do Romantismo para o Modernismo. Faria a ressalva porque pessoalmente tenho dificuldade com dodecafonismo; não a faço porque, primeiro, a peça passa largos momentos de minimalismo atonal, bem mais audível; e por outro porque reconheço nisso uma necessidade: a Bahia, pátria por opção de Walter Smetak e Ernest Widmer, precisa reencontrar-se com a música pós-moderna. Ao fazer esta opção, Carlos Prazeres não está sendo colonialista, antes o contrário, o que condiz com sua intenção de modificar o título das séries da Sinfônica da Bahia em homenagem a intelectuais modernistas nossos: Carybé, Verger, Genaro de Carvalo, Milton Santos, etc. Aproveito para dar aqui minha sugestão de que a Mozart Nas Igrejas se chame “Vieirianas”, uma vez que é sempre executada em igrejas em que o imperador da língua Padre Antônio Vieira, que aqui aprendeu a ler e escrever, proferiu seus mais belos sermões.
Não vem assim o carioca com intuito de “civilizar” a Bahia, senão de resgatar a civilidade que o próprio estado construiu para o resto do país – inclusive musicalmente, com Dorival Caimmy e Batatinha – antes de ser assolado pelo carlo-axezismo. Nisso, cabe lembrar que orquestras são metonímias de governo: não é uma coincidência que o regente e o governador sejam cariocas que adotaram a Bahia por escolha sem fazer dela colônia. A OSBA caminha para ser, na esquerda, o que a OSESP de Neschling foi na direita (com a diferença que lá se escolheu um francês bocó que desfez o trabalho do gestor anterior…)
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Menos óbvio é o fato de Carlos Prazeres vir da Orquestra Petrobrás Sinfônica (OPES), onde ainda segue trabalhando paralelamente a sua titularidade na OSBA. De há muito que a OSBA e o Neojibá flertam com a OPES, e vice-versa. Os modelos estéticos são parecidos: se aqui há a série Mozart Nas Igrejas, no Rio de Janeiro a Petrobrás Sinfônica faz a série Mestre Valentim em diversas igrejas históricas de lá.
A OPES no entanto deu passos adiante: não apenas permite, como sugere e incentiva que quem for assisti-la grave tudo e coloque no YouTube, e tem um twitter deliciosamente atuante. Os passos adiantes não são apenas estéticos: talvez tenha sido a Sinfônica nacional que melhor resolveu o dilema “orquestra de funcionários públicos” X “orquestra com dinâmica de indústria fonográfica”, mantendo bons salários, um corpo de músicos mais do que suficiente, novas seleções e contratações frequentes. Trazer esta experiência é um bom caminho para resolver os impasses que Ricardo Castro não pode atravessar.
Até porque a dinamização do Neojibá com uma certa estagnação institucional da OSBA poderia resvalar no que André Egg chama de “priorizar sinfônicas jóvens como forma de precarizar as relações trabalhistas nas sinfônicas de corpo estável”. Não era o caso, na Bahia, até agora – mas tendo dois diretores distintos, mas em diálogo, este risco se torna menor ainda.
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Por fim, uma qualidade que poderia ser apontada como defeito: é a primeira orquestra que Carlos Prazeres dirige como titular. Longe de ser inexperiência (alguém que é filho do cara que criou a OPES, e trabalhou com Isaac Karabtchevisky em mais de uma sinfônica do país, está longe de ser um noviço), é uma dádiva para ambos: a OSBA tem a chance de ser a “primeira esposa” de um dedicado diretor e regente, e este tem nas mãos um grupo de músicos invejável, que desenvolvem projetos paralelos reconhecidamente excelentes (a Orkestra Rumpilezz, a carreira de Joatan Nascimento no choro-jazz, o Dois Em Um, etc.), e numa terra que tem pululado de orquestras (a Afro-Sinfônica, a Sambone Pagode Orquestra) e música instrumental (TenTrio, Vendo147 e Retrofoguetes falam por si). A chance de ser um casamento infeliz, ou com pouco tesão, ou curto, é remota.
Isso ficou claro também ontem: um TCA mais cheio do que de costume para uma quarta-feira a noite, início de temporada, depois do carnaval, aplaudindo de pé uma OSBA claramente satisfeita e um Maestro Prazeres que não fazia questão de esconder o quão agradecido estava.
[…] de realizar concurso público (quer ela se publicize, o que sou a favor, quer não). E para isso, Carlos Prazeres terá de ser menos maestro (o que Ricardo não era) e mais político (o que Ricardo era, para o bem e para o mal) – até porque, Albino […]
[…] Um – eles que são um elo entre a música sinfônica de extrema qualidade da Bahia de agora (Fernanda é violoncelista da OSBA), e o tristonho samba-canção de Batatinha e Ederaldo Gentil (de quem Luizão é aparentado) da […]
[…] assim talvez eu não precise ficar com vergonha da minha cidade, por exemplo, quando ler sobre a Orquestra Sinfônica da Bahia. […]
Gostei da sugestão para a série Antônio Vieira. Perfeita. Um senão, porém. Erick chegou para conduzir a OSBA depois de ter concluído um doutorado em regência pela universidade do Texas. É pouco?
Prazeres preferiu dar o nome de Manoel Inácio da Costa para a antiga Mozart Nas Igrejas. Todas as séries fazem referência, assim, às artes visuais. Não achei ruim.
A série Carybé aliás fez uma opção da qual não gosto, mas que achei correta: música de câmara modernista, quase dodecafônica.
Sobre Eric Vasconcelos: não é pouco, e acho a gestão de Eric (com auxílio frequente de Piero Bastianelli, à época na OSUFBA), memorável – não teve resultados expressivos porque foi, como sabemos, “morro acima”: uma gestão de resistência. Mas, nisso, notável! (foi sob ele que a série de óperas do Barroco na Bahia se firmou, por exemplo – apesar da execução sofrível e justamente criticada da Flauta Mágica de Mozart em 1998).
Neste sentido, Eric é meio como Heitor Reis no MAM (menos a empáfia deste, claro): Heitor foi quem fez do MAM um lugar realmente frequentado pela população das mais diversas classes sociais; o JAM no MAM foi idéia dele, embora na época mal executada e insustentável logisticamente. Solange Farkas fez uma gestão sofrível, confusa e colonialista (Ricardo Castro não, é bom que se diga) – o que ela tem de bem-sucedida foi resgatar o que Heitor havia feito, e dar ares mais permanentes, consistentes e institucionais.
Nem de Heitor nem de Eric se pode dizer, jamais, que foram “carlistas”.
Obs:A série da Opes nas igrejas do RJ chama-se Mestre Athayde.É uma série maravilhosa,não sabia que em outros estados faziam esse trabalho.
Eu devia ter dado o link lá, e não o fiz porque ainda pretendo escrever sobre isso. Mas uma definição mais precisa do que significa usar a orquestra jovem para precarizar relações de trabalho está nesta carta do Justi ao Neschling: http://semibreves.wordpress.com/2011/03/06/tres-pilulas-e-uma-carta/
O negócio é mais ou menos como contratar estagiário para fazer serviço de efetivo. Imagino que não é o caso da NEOJIBÁ. E fico feliz/triste de receber boas notícias da OSBA. Feliz porque é muito bom. Triste porque a nossa Sinfônica do Paraná anda abandonada há anos, e não vejo ainda novidades no horizonte. Apesar do Osvaldo Ferreira me parecer um ótimo nome, a orquestra ainda não tem programação.
como Ricardo Castro gostava de dizer, a Bahia tem a maior série sinfônica permanente do país a 4 anos: mais de um concerto por semana, de março a dezembro (e ele nem está contando nisso o Neojibá, nem as boas orquestras privadas que surgiram do “efeito Rumpilezz”, como a Afro-Sinfônica). É mole?! Adeus, axé-system… Viva a Reforma Cultural!
O maestro Carlos Prazeres é muito talentoso sem dúvida.E com certeza será um casamento feliz.Parabéns a orquestra pela escolha,pois além de ser um grande profissional é um ser humano fantástico.Deus os abençoe.