PSDB paulista comete crime de lesa-humanidade

24/01/2009 at 18:54

Serra inicia a privatização da OSESP

Da Folha de São Paulo de quarta-feira última:

Maestro John Neschling é demitido da Osesp

O maestro John Neschling foi demitido hoje da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP).

No ano passado, de pois de intensa pressão do gover nador José Serra, que queria tirá-lo do cargo, Neschling comunicou ao conselho da Fundação Osesp que não renovaria seu contrato. Na ocasião, no entanto, fi cou combinado que o maestro permaneceria à frente da Osesp até o fim de 2010, como previa seu contrato.

A situação, no entanto, ficou insustentável. Neschling, que chegou a chamar Serra de “meni no mimado” e “autoritário” logo no começo do governo, conti nuou a dar entrevistas espina frando o governador e o secretário da Cultura, João Sayad, mesmo depois de ter sua saída definida. A gota d’água foram as críticas que ele vinha fazendo publicamente à decisão do conselho de formar um comitê para a escolha de seu sucessor.

Comentário:

A chamada que fiz é exagerada, porque exagerada é a noticiação da imprensa brazuca quando se trata de espinafrar a esquerda. Mas também porque por a OSESP em risco, além de ser um modo de a centro-direita paulista destruir a única coisa relevante que ela própria fez para o país e o mundo, é um crime contra o patrimônio cultural recente de todo o continente latino-americano, e de todo o hemisfério sul do globo.

Aliás, construir a melhor orquestra que o hemisfério sul jamais viu é algo de que só o PSDB velho de guerra faria. Destrui-la, é algo que só o neo(con)-tucanato pauliçáico (portanto, exclua-se Aécio disso) faria.

Os argumentos contra Neschling são os mais esdrúxulos possíveis – a direita e a esquerda.

Senão vejamos – à direita:

1) Neschling é insubordinado e autoritário. Verdade, e mais verdade não poderia ser. Só que isso, para um grande regente-diretor, não é defeito – é qualidade. Certas artes coletivas precisam de autores-carrascos – cinema, música de concerto e dança. Digo isso porque já fiz balet clássico, e sabia que bom montador, ensaiador e professor xinga, e eventualmente arremessa algo, nos seus alunos – se os alunos forem promissores.

Um maestro como ele é, aliás, pago e muito bem pago para ser assim: rígido com os músicos, insubordinado com os políticos. E o político que quiser que suporte. Helmut Kohl, democrático e socialista, engoliu Hebert von Karajan, ex-nazista declarado, e com a soberba típica dos aristocrátas teutões falidos, por décadas – é o preço de se ter a melhor Sinfônica que a humanidade contemporânea é capaz de se lembrar.

Quem não é pago para ser nem autoritário, nem personalista, é o Governador do Estado – que ao fazer isso, posa sim de “menino mimado”.

À esquerda:

1) A OSESP custa caro, com salários europeus. Sim, e desde quando isso é ruim? Neschling exigir (e conseguir) isso foi um modo de evitar uma evasão de capital humano para as orquestras primeiro-mundistas. Senão vejamos: os governos estaduais e federais gastam os tubos formando músicos eruditos em universidades públicas – que ao se formarem não acham emprego decente a não ser em outro país!

Evitar isso é não apenas um ato nacionalista (e anti-imperialista) como de esquerda (ou pelo menos, não-neoliberal);

2) Teria mais resultados investir diretamente na população mais pobre, dando aula de música pra favelado. Esse argumento parte de uma falácia: a OSESP também faz isso. A OSESP tornou o Festival de Campos do Jordão um dos mais importantes do planeta; tem escolas e cursos livres; e faz trocentas apresentações gratuitas Brasil afora e adentro, para formar público.

E é enganoso em seus efeitos. É um argumento pobrista. Pobrismo é esse esquerdismo que acha que pra pobre basta encher o buxo e dar vacina. Cultura erudita é pra rico. Sua contraparte é desinvestir em cultura erudita – ou investir nela apenas por seus “efeitos sociais” e não os estéticos. Pobrismo é uma dos nomes de “neoliberalismo” – a la gauche, claro.

O Brasil, oitava economia do mundo, pleiteante de vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, precisa ter uma Sinfônica de envergadura transcontinental. É uma obrigação moral – para um país que gerou a melhor música popular do mundo (e também a mais variega – só o samba são mais de 10 estilos díspares!) e que teve alguns dos melhores compositores eruditos do século XX (de Alberto Nepomuceno a Vila-Lobos e Tom Jobim).

De resto, investir em formação de músicos oriundos de “situação social de risco” sem lhes dar perspectiva de carreira séria (salvo fora do país) é populismo barato de curto prazo. A OSESP faz justamente isso: dar possibilidade de carreira – e forçar as outras sinfônicas a fazerem o mesmo em outros estados. Como tem acontecido com as Sinfônicas do Mato Grosso e a da Bahia, além da Nacional do Rio de Janeiro.

De resto, a saída de Neschling já era prevista para 2010. Ele já estava fazendo uma transição gradual. Com esse corte a facão de agora, dois anos antes do previsto, vos pergunto: quem vai ensaiar a OSESP para a série de concertos internacionais a se iniciar em março?!