Em Obras

29/08/2019 at 18:33

Crônica minha antiga premiada este ano como 2º colocado desta categoria no Concurso Felippe D’Oliveira, de Santa Maria, Rio Grande do Sul

Trata-se na verdade de um poema em prosa ao modo de Francis Ponge

Em Obras

 

para João Filgueiras da Gama Lima, Lelé

                                      humanizador de cidades

 

Ninguém supõe delicadeza nas escavadeiras, se não as vê funcionar. Não obstante, uma vez em trabalho parecem braços culpados, amputados (e ainda vivos) de titãs antediluvianos. Que não se digam delas que furam, invadem, cavam o solo. Antes, acariciam o barro e a areia como quem re-arruma o cobertor sobre um filho que ressona e dorme. Carregam nacos de chão como bebês no colo; deitam-nos em caçambas como se berços fossem. Por fim, alisam a terra recém-arrancada de sua matriz – ato durante o qual se as pode ouvir cantarolar cantigas de ninar nos idiomas esquecidos dos deuses.

O que há é que, inocentes, não se apercebem que mandam assim estes bebês-solo, em conjunto, natimortos e prematuramente, para o sepultamento sanitário.