Cultura dos Notáveis & Comuns da Cultura

25/05/2014 at 13:25

Dos grandes ganhos institucionais da redemocratização brasileira de 1988, talvez o maior seja os Conselhos deliberativos formados pela sociedade civil com função de controle sobre secretarias e ministérios específicos – principalmente os Conselhos de Saúde, fundamentais para a relativa independência que a Reforma Sanitária tem.

Embora constitucional, estes conselhos nem sempre são postos em prática, não são obrigatórios para todas as áreas, e historicamente só se desenvolveram de modo autônomo e atuantes em governos PTistas e alguns governos Tucanos da velha guarda (sob a influência de Franco Montoro, ou pelo menos anterior a morte de Mário Covas). Na Bahia não foi diferente: com todos os senões e retrocessos do segundo governo de Jacques Wagner, diversos conselhos deliberativos populares foram formados com eleição direta para conselheiros, notadamente o Conselho de Comunicação.

Como é de se supor, a Bahia sob o carlismo vedava tais participações, que se limitavam a formalidades, quando não geridos a partir da ameaça física a conselheiros e a inviabilização das reuniões, mesmo no Municipal de Saúde de Salvador numa gestão carlista-light como foi a de Antonio Imbassahy. Uma diferença se fez, contudo, no último governo de Paulo Souto – que retomou concursos públicos robustos, garantiu uma transição democrática transparente para seu adversário que o derrotou, e que impôs a Malvadeza a condição de governar por si mesmo, e não em nome do Cabeça Branca; entre estas diferenças, mérito se atribua: o Conselho Estadual de Cultura surgiu sob Paulo Souto.

Se limitava contudo a ser um conselho consultivo de notáveis – ainda assim, isso era um furo fundamental no carlismo: os notáveis da cultura eram, quase todos, de alguma forma anti-carlistas, para não dizer mangabeiristas mesmo; e, pouco mais, ou pouco menos, de um ano depois surge a primeira Secretaria da Cultura do Estado da Bahia com Marcio Meirelles, que atribui poder deliberativo, e não consultivo, ao Conselho de Cultura – que ganha proeminência tal que foi seu então presidente, Albino Rubim, que se tornou o substituto de Marcio na pasta quando este a deixou.

Mas seguia sendo um conselho de notáveis – hoje não mais: esta semana saiu em Diário Oficial o novo regimento do Conselho de Cultura do Estado da Bahia, que passa a ter 2/3 de suas vagas compostas por eleições diretas de cidadãos (e, diferente do Conselho de Comunicação, estes não precisam estar ligados a entidades formais como ONGs e Movimentos Sociais). Embora Marcio Meirelles alentasse realizar esta mudança, foi necessário de um lado o institucionalismo partidário de Albino Rubim (deletério sob diversos outros aspectos, mas benéfico nisso), e a liderança de Lia Robatto, de aristocrática família de cineastas, coreógrafos e músicos de orquestra desde a Avant Gard de Edgar Santos, num esforço louvável de abdicação de poder em direção ao comum.

Mais do que isso, eleições diretas para o Conselho Estadual de Cultura formalizam o que estava na informalidade opaca dos bastidores: por exemplo, este que vos batuca pode parar de se contentar em apenas emitir recomendações aqui ou em pé de ouvidos em brejas de boteco com maestros e gestores, e passar a atuar formalmente – se se candidata e se elege como titular ou suplente, o que pretendo sim fazer de há muito tempo. Trata-se de legitimar os modos com que o comum já estava fazendo a Reforma Cultural e, antes dela, a resistência ao Axé-System.

Este talvez seja o maior, senão o único legado institucional sólido, da Reforma Cultural Bahiana – que até agora operava apenas na infraestrutura econômica de financiamento e acesso, mas não na superestrutura legal que poderia garantir esta. É de se comemorar! – e dado o peso que este estado tem na área, pode ter efeitos nacionais, no contrafluxo do desmantelo que foi a gestão da Bruaca Ana de Hollanda no Ministério da Cultura.