O triplo-X da questão

30/09/2012 at 16:20

Texto meu para o Descurvo de Hugo Albuquerque, a respeito da Bienal Internacional de São Paulo

Trigésima (por extenso, e se verá que isso é um retorno do recalcado) Bienal Internacional de Artes Visuais de São Paulo vem mais uma vez mostrar a situação de bolha especulativa da assim chamada arte contemporânea, ou pós-modernidade. Não por acaso escolheu o tema vago “Iminência das Poéticas” para comemorar seus sessenta anos – algo assim como “ao redor do buraco, tudo é beira”. Nem Eminência das Poéticas, sacralizadas, nem Imanência das mesmas, na sujidade cotidiana da vida – Iminência: aquilo que, prestes a acontecer, não acontece jamais. Não se poderia ser mais eleático…
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Para-além do problema da preguiça, ausência de real trabalho estético, e caráter especulativo da dita conceptual-art (cheguei mesmo a ver uma parede com um saco plástico de supermercado pendurado, e um chiclete mastigado dentro), a questão talvez seja mais de gigantismo: grandes bienais, como grandes museus (exceção talvez ao Afro-Brasil, ao lado do Pavilhão do Ibirapuera, e graças ao bahiano de Santo Amaro da Purificação, Emanoel Araújo – aliás negro, apesar de carlista), se tornam um não-lugar, vago e disforme. Penso na excelente Bienal de Artes Visuais do Recôncavo, em São Félix: não se trata apenas de sua curadoria ser melhor realizada e previlegiar as formas tradicionais de objetos de arte (cerâmica, mural, pintura, gravura, escultura), uma vez que há também nela instalações. Nem é um evento medíocre de cidade do interior (o Recôncavo é o útero do umbigo do extremo-ocidente, diria Milton Santos). Mas a antiga fábrica de charutos Dannemann se integra perfeitamente não apenas ao cais de São Félix do Paraguaçú e à Ponte Dom Pedro II, mas também à fronteiriça Mui Heróica & Leal Cidade de Cachoeira assim como a cidades mais longínquas da região, Maragogipe, Cruz das Almas, e não se exclua a capital Salvador, que é também, ao menos em parte (e na metade que nos interessa e é cosmopolita) Recôncavo (e quem não o é jamais seria Reconvexa).
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Claro que é possível no mar de nulidades especulativas da Bienal de São Paulo encontrar algo digno de nota – por exemplo a sala com obras de Arthur Bispo do Rosário (embora comumente se caia no erro de tomá-lo como um James Joyce das artes plásticas, o que ele não é). E claro também que uma Bienal precisa ter espaço para o erro – estimular obras cretinas ao ponto de serem descartadas, porque é do jogar-fora uma profusão de má idéias que as boas idéias podem surgir – mas não ao limite da autofagia, aliás sintomaticamente paulistana. Tanto mais se comparamos com a parte do acervo do MAC-USP recentemente exposta no Ibirapuera e no antigo prédio do Detran: sob o modernismo, as Bienais foram mais capazes de gerar obras, se não inteligentes, ao menos corretas, paradigmáticas. Hoje, como está, não é mais. Idem para a (imperdível!) exposição de Lygia Clark no Itaú Cultural: se ali nasce a instalação e a arte conceitual, está longe da banalidade, inclusive porque a exposição permite e incentiva a livre manipulação das obras – e sim, é uma exposição de grande porte, só que muito mais discreta que a propaganda enganosa que é, por exemplo, Caravaggio no MASP.
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E sobre a Trigésima (por extenso), vai aqui a explicação de trás pra frente: das melhores salas expositivas desta Bienal é com as fotos proto-paparazzi e voyeur de Alair Gomes, com seus garotos de Ipanema displicentemente homoeróticos sem saber que estão sendo fotografados enquanto trabalham seus corpos, acrescido de outras fotografias do mesmo autor, explicitamente pornográficas, e realizadas em estúdio. A melhor sala da XXX Bienal é X-rated – da Bienal que, sendo 30º, evita grafar-se em X X X, esse código dos tempos da internet discada e paga para sites de putaria.