Bocas do Inferno & Cús de Judas

23/03/2012 at 11:55

Uma santidade que se dis-puta no mercado

Dois fatos recentes me levaram a sair de minha posição humpty-dumpty em relação ao projeto de lei dito Anti-Baixaria da deputada estadual (não resisti…!) Luíza Maia (PT): uma conversa pelo google-talk com Eduardo César e o No Que Tange de hoje.

Sempre me soou como higienismo burguês certo nojinho ao pagodão, francamente ignorante de que mesmo sua dita “pobreza lírica” remonta a libertinagem de Gregório de Mattos, Castro Alves (o único poeta romântico brasileiro que fodia) e ao samba-duro do Recôncavo (esse povo não sabe nem o que é poesia fescenina). Reputo um erro do Anti-Axé, mormente capitaneado então por um rock bahiano mau-humorado, ter empurrado o Pagodão nascente para o colo do Axé-System – em vez de ver nele toda a potência subversiva que o rock tivera, e deveria então ter mas não tinha mais ou ainda. E concordo com Letieres Leite quando afirma inúmeras vezes que o pagodão é ritmicamente criativo e complexo, e que apesar de sua pobreza harmônica pode ter riqueza melódica (ouçam os cantes a palo-seco de Ragatoni, sustentando sem titubear compassos sincopados por mais de 3min sem auxílio sequer de instrumentos de percussão). Mais ainda: vejo no resgate do pagodão que o Baile Esquema Novo, o Suinga e o Baiana System fazem, uma virada crucial para a Reforma Cultural do Estado, democratizando radicalmente as estéticas.

Isto posto, via na Lei Anti-Baixaria (que apenas impede que o estado e entes públicos contratem autores de canções caluniosas às mulheres) a possibilidade de acirrar um dos mecanismos acertados da Reforma Cultural: garantir que a verba estatal se pulverize, e estimule a diversidade de produção e consumo, forçando um incremento da qualidade estética inclusive em setores que não recebem esta verba, uma vez que passam a ter concorrência real (capitalismo puro e simples, do bom!). E se o pagodão não compactou, nem foi compatuado pelo, Axé-System na sua estética, o foi na sua lucratividade (curioso no entanto é ver que o Jornalismo que hoje vibra com a Lei Anti-Baixaria tem 2 anos que sugeriu que o Secretário Estadual de Cultura fizesse edital pra pagodão…)

Mas, ora, nem uma Lei Anti-Baixaria é garantia de pulverizar a grana pública (quem disse que o Prefeito de Xorroxó, ao deixar de contratar A Bronkka não vai contratar Claudia Leite? – cabe lembrar Letieres Leite de novo: pagodão foi uma forma de distribuição de renda para a periferia, apesar da espoliação a que o Axé-System o submetia), nem é esta a única ou melhor forma de garantir isso. Estamos com um Sistema Estadual de Cultura funcionando relativamente a contento, com linhas claras de transferência de recursos entre Governo Estadual e Municípios, e um Conselho Estadual de Cultura (apesar de ainda formado por notáveis, e sem eleição como na época de Paulo Souto – enquanto o de Comunicação, bem mais novo e controverso, já teve eleição) que consegue fazer bem as vezes de “controle social do estado”.

O que vai garantir que a verba de cultura dos municípios seja bem destinada (e aí que se destine a Baixaria de qualidade, qual é o problema? Alguém se oporia ao clássico A Mini Saia, do Gonzagão?!) é essa capacidade da sociedade controlar o estado, e não o contrário. Fortalecer a gestão das Secretarias Municipais de Cultura, capacitar os conselheiros nos Conselhos Municipais, etc. Vale lembrar pela bucentésima caralhésima vez: Salvador, cidade mais antiga das Américas em funcionamento, capital do estado, não tem nem Secretaria de Cultura nem Conselho de Cultura – é esta a contradição diária nossa: um Estado que avançou muito na democratização e eficácia da área, com uma prefeitura de capital que a ignora.  

Mas a deputada (que as meninas da Avenida Carlos Gomes não se ofendam) Luiza Maia prefere cair na facilidade legiferante de tradição ibérica. Alguém devia explicar pra esta senhora que legislar não é nem só fazer leis nem fiscalizar o poder executivo. Política se faz na microfísica, e ela faria melhor figura se virasse mascate viajante pelo sertãozão de meu deus, de Conselho Municipal de Cultura em Conselho Municipal de Cultura explicando seu ponto de vista, mas também ouvindo o desses pequenos conselheiros; fazendo piquete em prefeiturinha que não dá posse a estes (cabe em Salvador, que nem Conselho de Cidade empossado tem). Enfim, com rizoma criar multidão – logo eu, anti-deleuziano, tendo de explicar isso!

Isto contudo não é reflexo de uma idiossincrasia da deputada, e sim de seu Partido – o dos Trabalhadores. O PT nunca teve um projeto para a Cultura, e caia sempre no rame-rame de que o Estado deveria avaliar esteticamente o que investir (além da idéia de que a Cultura é algo que o povo consome ou não consome, e não algo que o povo faz também). Isso acabou com Gilberto Gil e depois com Juca Ferreira, que tropicalizaram a questão: o importante era pulverizar, democratizar, fazer cada um autor e fruidor dessa obra em conjunto que somos todos – se alguém tem de dar pítaco estético, que seja a sociedade (os críticos e os outros), não o Governo.

Só que agora o rebote piorou: se o PT não sabia o que fazer com a Cultura num país de pobre (e pobre não compra livro nem vai a ópera – na cabeça deles…), tanto pior com a Classe C que eles tanto se orgulham de terem criado ou ao menos adotado. É intolerável para o Partido dos Trabalhadores que esta nova pequena-burguesia não se comporte como tal, e também é intolerável que se comporte exatamente como tal (daí a posição ambivalente dos PTistas com os evangélicos: eles querem que os ex-pobres deixem de desejar, só que não tanto assim Pastor!). Onde já se viu ex-pobre fazer suruba? Orgia é um previlégio da aristocracia que os burgueses do PT, ao invés de querer universalizar, querem extirpar de todo. É um maoismo invidioso isso.