As Viúvas do Axezismo

27/02/2009 at 10:20

Prometi escrever uma crítica à política de museus da gestão Marcio Meirelles hoje. Disse que assim o faria porque pareceu-me que ficou claro, senão aos auto-conflagrados gênios da crítica-cult (leia sem o T final) bahiana, ao menos à população como um todo, as qualidades geniais da Secretaria Estadual de Cultura atual.

Mas, ao ler o Política Livre ontem, tomei um susto! Eles criticam o que se deveria elogiar, e deixam de criticar o que se deveria – repetindo localmente o mau-hábito da imprensa paulistana (o que não deixa de soar como um colonialismo mofado e, sim, carlista). E terei de protelar mais uma vez.

Senão vejamos os vitupérios dos que escrevem nesse blog, que até então eu supunha independente, mas que está obviamente ligado ao marronzismo oligofrênico do jornal Tribuna da Bahia:

É fato: a presunção, mais do que a eventual incompetência, de Márcio Meirelles está concorrendo para colocá-lo no panteão dos piores secretários do governo Jaques Wagner, cuja imagem tem sido constantemente golpeada pelos flancos que o representante oficial da pasta da Cultura se encarrega de abrir.

Agora, se não vier a público explicar devidamente o motivo porque resolveu patrocinar na festa de maior visibilidade do Estado, com dinheiro público, atrações completamente estrangeiras à folia, inclusive por seu caráter elitista, Meirelles vai acabar tendo que engolir as acusações de que fez uma “ação entre amigos” neste Carnaval.

Afinal, qual é o propósito de colocar na avenida gente como Otto, Arto Lindsay, Galerinha e um punhado de artistas cujo valor estético e conceitual pode até não se discutir, mas que tiveram, em alguns casos, desempenho melancólico sobre o palco andante dos trios pagos pelo ‘governo de todos nós’?

Quer o secretário, que ganhou o apelido de Macbeth da Província, proporcionar ideologicamente uma reinvenção do Carnaval baiano através de “lições” ao folião ou aos artistas locais de uma forma grotescamente inorgânica? Ou projeta simplesmente “universalizar” com a festa seu gostinho particular com dinheiro coletivo?

O artigo segue no mesmo baixo-nível, ou peior. Não reproduzo o resto aqui em respeito aos meus leitores.

Aqui, algumas explicações. Primeiro, não preciso dizer que não acho Marcio incompetente em cousa alguma (até mesmo na política museológica, que critico por outros motivos, pelo rumo que tomou, mas rumo esse que não é em si incompetente).

Não precisa “vir a público” explicar porque optou por incentivar um carnaval sem cordas, com ritmos musicais diversos, e que em sua maioria remontam às origens do carnaval (as guitarras bahianas do Retrofoguetes, o samba-de-roda de Mariene de Castro, o samba partido alto de Nelson Rufino, e os primórdios do axé-music com SaraJane, Tonho Matéria, Bandas Furtacor e Reflexus). Porque esta é uma demanda antiga de toda uma geração que cresceu sob a “mesmice” (no dizer de Antonio Risério) do axezismo, que não permitia que nada mais surgisse.

Demanda não apenas da classe média a que pertenço, mas de boa parte dos que foram adolescentes juntos comigo, e oriundos de classe mais pobre, queriam algo além do “pagodão” então reinante.

Mais ainda, tudo isso foi dito e discutido publicamente, na discussão pública sobre o carnaval ocorrida em Salvador no Teatro Vila Velha em outubro de 2007 (e também em Recife e Rio de Janeiro – ou seja: nos três maiores carnavais do planeta).

O Política Livre que ora reclama da diversidade, era o mesmo que reclamava da mediocridade tirânica do axezismo. Ou seja: eles gostam mesmo é de reclamar. Se melhorar, fica ruim.

Isso também tem a ver com aproximar-se do modelo bem-sucedido de carnaval público e descentralizado de Recife. Minha geração, a que mais sofreu com o carlo-axezismo (inclusive apanhando da PM dentro do Campus de Direito da UFBA, em 2001), sempre reclamou uma maior proximidade com Recife. Está sendo feito. Ano passado, por exemplo, no Passarela Da Alegria – Pernambuco Bahia (um dos eventos do Espicha Verão), a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, de lá, veio tocar aqui, de graça.

Daí a presença de Otto, que sempre tocou no palco do Rec-Beat (hoje no Cais da Alfândega, antes na Rua da Moeda, Recife Antigo). Arto Lindsay sempre produziu trio próprio por aqui.

A concorrência para os trios da SECULT foi ampla e transparente. Gente muito boa, como o pessoal de O Círculo, se inscreveu e não foi selecionado. E não por falta de qualidade ou por “Não estar ao gosto de Marcio” (que aliás, já deixou claro que simpatiza e muito com o trabalho de Pedro Pondé, a quem a SECULT patrocina no Bahia de Todos os Sons).

De resto, esses escrevinhantes do Política Livre parece que não pisaram na rua, e não pulam pipoca: TODOS os trios da Secretaria de Cultura arrastaram multidões. Em parte, gente que não ia ao carnaval porque não suportava o gosto monocordio e imposto pelo capital (embora o carnaval de Salvador nunca tenha sido só do axé-music, a prova disso inclusive sou eu que sempre pulei fora da corda e nunca gostei de axé). Mas boa parte do povão carnavalesco de sempre, que parecia adorar conhecer novos ritmos possíveis no carnaval.

Sim, o Secretário quer dar “lições” de como se faz um carnaval diferente – lições não ao povo, mas ao empresariado feudal de Salvador. Estas “lições” fazem parte de um projeto mais amplos de acentuar o diálogo entre os três grandes carnavais do país. Projeto esse que é comum aos governadores da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Donde se conclui que o Política Livre nada entende de carnaval. Nem de cultura.

E que Marcio Meirelles foi mais bem sucedido do que se supunha nessa investida contra o monopólio: a quantidade de adjetivos pejorativos, aliado a falta de argumentos, do Política Livre deixa claro que é puro ressentimento, ou dor no bolso, dessa galerinha de Joaquim Nery (que é dono de colégio e de bloco de axé ao mesmo tempo – um oxímoro!) e do Tribuna da Bahia.

Na prática, recomendo: des-assine o Política Livre! Eles têm horror a democracia! E prestam um des-serviço: des-informam o leitor. É um des-blog de des-jornalismo! E me dói dizer isso, porque já o usei como fonte de informação até mesmo aqui. Des-assine: eu já des-assinei ontem.