Quando envelhecemos pelos outros (ou quando os outros envelhecem por nós)

25/11/2008 at 22:50

Para Hiltinho e Evil, com todo amor que houver nessa vida

algum veneno anti-monotonia, e algum trocado pra dar garantia

(recusava-me até hoje a usar blog pelo seu uso originário: essa espécie de diário íntimo posto a público. Embora mesmo blogs sérios, de política ou crítica de arte, eventualmente se autorizem a fazer isso. A recusa é anterior, vai por exemplo da crítica que João Cabral de Melo Neto, meu mestre dileto, faz à poesia moderna: virou um confessionário público, que não interessa a ninguém. Mas amanhã fico involuntariamente mais velho – não apenas eu, mas boa parte do que foi, é e será meu mundo objetivo. Sucumbi, portanto, e escreverei crônica pessoal).

Às vezes, fatos que nada têm a ver com nossa vida pessoal nos fazem envelhecer. Eu raramente me sinto mais velho em dia de meus aniversários: ao contrário, remoço, viro moleque.

Foi assim quando meu compadre (com quem pretendo contrair parceria civil assim que o Brasil largar de bestagem de querer fazer casamento gay e entender que família nada tem a ver com foder ou apaixonar-se) voltou de Sampa dizendo que tinha engravidado uma senhorita (hoje, uma “amiga íntima, pela desconfiança”, como diria Fellinni): subtamente envelheci. Abateu-se sobre mim um compromisso inaudito para com a espécie biológica a que pertenço, e para com a civilização – não apenas a que habito, e sim também as que vieram antes de eu existir, e as que existirão quando de mim nem restar memória. Nasceram, e eu chorei. Que nem miss-brasil em programa da Rede TV.

E choro sempre que ouço perguntas tolas como “você é meu padrinho, Lucas?”, do outro lado da linha. E choro quando me pedem colo; e quando não me pedem.

Amanhã, mais dois amigos serão injustíssimos para com a minha pessoa e me farão envelhecer. Assim, de vez – sem chance de anestesia. Como quem ranca um dente-de-leite. Vão casar, e eu serei testemunha (sabe-se: casamento é como HIV: ambos contrai-se praticando sexo; a diferença é que HIV tem como prevenir…), agora legalmente. Porque o fui muitas vezes antes, ilegalmente, para-legalmente, deles dois, como foram de mim.

Estive lá antes do início; e meus gostos estavam no início (por que outro motivo escolheriam o Museu de Arte Moderna da Bahia, Solar do Unhão, para se encontrar? Da galera, só eu o frequentava!). Estive nos quase terminos. Nas noites de inverno na Ilha de Itaparica, fazendo chocolate-quente da receita de minha bisavó (sem álcool, porque senão Hiltinho, chato, não toma). E lá também pude, pela primeira vez na vida, fazer amizade com dois cachorros (eu que tenho uma fobia a caninos, irredutível) – um dos quais extraviou-se, e lá estava eu também indo catá-lo na rua. Até achar.

Encerra-se mais um pedacinho de minha juventude – pilula amarga, que sem gente como essa não teria descido garganta abaixo; doce licor que, também sem gente assim, seria como beber sozinho numa tarde de um boteco deserto.

Abre-se a adultez; os sobrinhos enchendo a casa; viagens juntos; a velhice. Abrem-se promessas não vividas, e que não existirão jamais senão em planos.

E eu, que sou ideologicamente contra o casamento, a heterossexualidade (pura) e a procriação, vou chorar amanhã de manhã, inevitavelmente.

(confesso, a parte mais difícil foi técnica: eu não sei o que botar nas tags deste post…)

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