Regência de Trincheira

20/04/2014 at 14:42

Como os que leem este blog a mais tempo sabem, a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) vem desde 2008 num vetor ascendente de importância e qualidade: desde a gestão de Ricardo Castro, com quem a OSBA passou a ter apresentações regulares semanais e receber nomes proeminentes da cena erudita musical, chegando ao ápice no fim de 2012 e início de 2013, quando com Carlos Prazers à frente sediou pela primeira vez um Seminário Nacional de Gestão Orquestral (o que sugeri insistentemente, aliás, diga-se de passagem) e pela primeira vez publicando a programação anual de sua série principal, a Jorge Amado, desde o início do ano – assumindo-se portanto parte do calendário sinfônico nacional.

Isto tudo foi verdade até a crise fiscal do Estado da Bahia em meados de 2013: rapidamente a Série Jorge Amado foi, mais do que desconstruída, desmantelada – perdendo nomes e execuções de peças importantes, se rareando até desaparecer em concertos substitutos de Natal de apelo popular e mesmo radiofônico que nada tinha a ver com uma série que previa Leonard Bernstein, Benjamin Briten e Arvo Part.

É certo que um dos trunfos de Carlos Prazeres, comparativamente a Ricardo Castro, foi estabelecer rotina de concertos mais populares de modo a incrementar a formação de público para os concertos mais difíceis – em que pese que Salvador já vem aumentando exponencialmente seu público de música erudita na última década, fruto inclusive do surgimento do Neojibá. Mas esta iniciativa de fazer de uma sinfônica show-bizz de Prazeres só faz sentido com uma contraparte que ele soube criar bem – atualizar o repertório em direção a música contemporânea baiana e modernismos (eslavo, francês, as mais diversas escolas brasileiras, etc), por exemplo. E precisaria ainda de uma terceira perna: independência e robustez financeira para disputar mercado e público.

Isso recairia no velho dilema da publicização X estatização – um binarismo falso. Ao meu ver, as sinfônicas não devem mais ser estatais embora devam sim ser largamente financiadas pelo estado – mas precisam ter outras formas de se manter; ademais, no Seminário Nacional de Gestão Orquestral em que a OSBA foi anfitriã, ficou claro que há diversos modelos: desde o cooperativado da Petrobrás Sinfônica, aos puramente estatais, aos mistos, etc. E mais: que há vetores diversos para estas soluções: a OSESP, por exemplo, enquanto foi estatal garantia menos, e não mais, estabilidade trabalhista a seus músicos; publicizada, paradoxalmente ela passou a funcionar de um modo menos “neoliberal”.

Neste sentido, a questão da OSBA não é sequer de imediato deixar de ser apenas estatal – e sim ao menos deixar de ser um pinduricalho do Teatro Castro Alves. Ela sempre dependerá do TCA como sede, é verdade; só que ela é uma sinfônica de um estado de dimensões nacionais, e não a sinfônica do teatro de óperas de sua capital! Nem mesmo este passo foi dado em direção a que a OSBA se torna-se, digamos, ao menos uma autarquia – e não uma mera superintendência de uma autarquia.

O resultado é que no momento mesmo do salto para se tornar uma orquestra de relevância para o país, a OSBA se acabrunhou e voltou a atuar como uma sinfônica paroquial. Em que consiste hoje a série de concertos da Sinfônica da Bahia? Pequenos concertos com orquestra reduzida, barroca, no Museu de Arte Moderna e no foyer do TCA, com gente sentada no chão – lotados, é verdade, e fundamentais para a atração de mais público para a música erudita e nisso são eficientes. Mas, atrair mais público para onde? – se não há os concertos mais formais com repertório mais exigente e orquestra maior…

Desta forma, se Carlos Prazeres foi nos seus primeiros dois anos de contrato um maestro pró-ativo, um continuador da retomada de Ricardo Castro, agora ele parece fazer uma regência de trincheira, na resistência de uma guerra em campo minado – quase, eu diria, como o foi a de Eric Vasconcelos nos últimos momentos do carlismo. Isso redunda inclusive na aceitação de participar de eventos municipais tão canhestros quanto foi o recente Festival Arte do Sagrado ou a Abertura do Carnaval no Farol da Barra.

Não se trata com isso de dizer que a Reforma Cultural Baiana retroagiu, ou deixou de existir, mas sua estatização pela lógica boi-de-coice do Secretário de Cultura Albino Rubim é sim um problema, que esvazia a todos nós que construímos a Reforma da alegria e da voracidade que a moveu nos primeiros anos – ao passo que seus frutos vão sendo cooptados mercadologicamente pelo Axé-System contra o qual tanto se lutou, através do Semi-Prefeito Grampinho.