De boi-de-coice a marcha-a-ré

22/06/2012 at 15:10

Como já é do conhecimento de muitos, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia nos últimos dois dias resolveu ajudar a patrocinar, através do FazCultura, o Salvador Fest – um mega-evento de pagodão, altamente lucrativo, e tão ligado ao Axé-System que ostenta nomes como Chiclete com Banana. Com esta notícia, nós, críticos e produtores ligados a Reforma Cultural Baiana (isto é: a gestão de Marcio Meirelles, suas causas e suas consequências), fizemos enxame e tocamos o rebu. A SECULT, como é típico sob o secretário boi-de-coice Albino Rubim, recuou – para, horas depois, voltar a se resolver pelo patrocínio.

Notem que a situação é tão esdrúxula que a notícia (e o combate a essa decisão) foi encabeçado pelo grupo Metrópole – primeiro-batalhão dos aninha-franco-atiradores, que dá guarida pra mentecaptos do latifúndio artístico-jornalístico como Samuel Celestino. Quer dizer: até gente contra-reforma, ana-de-hollandista, anti-Marcio, levemente axezeira portanto, se indignou com a decisão.

O curioso é que parte das gentes que é da Reforma Cultural, particularmente aqueles que rezam do mantra “Albino é melhor que Márcio porque é técnico, acadêmico e do PT” (um argumento, convenhamos, tucanista, pra não dizer carlista de gravata vermelha), ou tentou defender o indefensável, ou passou a se calar, ou partiu pro “Marcio Meirelles fazia igual: patrocinava camarote”. Isto revela que, se a SECULT partiu-se ao meio com a adoção da retranca que é a escolha de Albino, essa cisão afeta aos que participaram da Reforma de fora da SECULT também. Isso já se prenunciava antes na incapacidade de parte dos agentes da anti-AxéSystem em conseguir articular críticas ou críticas-da-crítica, se avoluma com produtores ligados ao Pós-Axé passarem do nada a louvarem seus algozes do Axé-System, e talvez culmine num certo cicloviarismo motorizante (em que o direito a cidade se resume ao direito de ir e vir tanto quanto o direito a cultura vira direito a mera frequentação).

Em tempo, sobre esse contra-argumento de que “Marcio bancava camarote”, vale dizer: nunca a Secretaria de Cultura, sob o Velho do Vila, deu um tusta pro Axé-System. Marcio de fato apoiava os camarotes em que o Axé-System passava ao largo e não havia venda de entradas: o do Espaço Unibanco de Cinema, crucial para a reocupação da Praça Castro Alves durante a folia momesca, e o Expresso2222 de Gilberto Gil – ambos, diga-se, com palcos para a rua tocando para o povão na pipoca, e levando a estes nomes fora do jabá radiofônico, como BaianaSystem e Marcia Castro.

As justificativas da Secretaria de Cultura para manter o patrocínio ao baronato da privataria monocultória (e longe de mim ser contra o pagodão!) são as mais estapafúrdias. Por exemplo, se o ingresso for “popular” (R$35,00 – nota: os ingressos da Orquestra Sinfônica da Bahia são R$20,00 a meia…), tudo bem. Primeiro, não entendo em que quinze reais de diferença vão garantir mais ou menos público a este evento, que já tem o seu cativo inclusive pelo suborno a maioria das rádios de Salvador para que toquem seu repertório ad nauseam. Segundo, é de interesse de estado que a população tenha acesso facilitado e barato a um produto estético que ela já consome compulsória e compulsivamente? Não deveria, ao contrário, uma política pública de Cultura estimular o acesso e consumo de produtos culturais que a população não teria acesso de outra forma?

Não se enganem contudo achando que isso é mera burrice de Albino Rubim – que de boi-de-coice virou marcha-a-ré com essa e perdeu o apoio de muitos que ajudaram a fazer a Reforma, certamente, alguns inclusive seus ex-alunos que até então tinham sincero afeto por ele. Há método nesta loucura. E volto aos camarotes: não ficou a assessoria de imprensa da Secretaria de Cultura dando nota de que um certo pré-candidato a prefeito de Salvador estava no famigerado Camarote Salvador (inclusive dos Magalhães-de-Magalhães), e saindo no Filhos de Gandhy? Não é a mesma assessoria de imprensa da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia que anunciava que “Professor Doutor” Albino Rubim estava lançando livro por uma editora do PT? Não é a mesma SECULT que meses atrás exigia filiação partidária para que certas pessoas se tornassem funcionárias de estado?

O pré-candidato a prefeito em questão, Nelson Peleguinho (aquele que sempre perdeu pleitos em Salvador em terceira colocação), acaba aliás de aceitar como seu vice um nome indicado pelo SETPS – máfia das empresas de marinete (Salvador não tem ônibus, tem marinete). Por que não aceitaria os holofotes & megafones de Cal Adam, Joaquim Nery, Fernando Bulhosa e outros especuladores fundiário-musicais urbanos da Roma Negra?!

Não quero dizer que é culpa de Albino – claro que a coisa é mais complexa, o modelo FazCultura/Lei Rouanet permite deformidades como esta. Que Marcio Meirelles barrava a custo de sua própria imagem pessoal, e que Albino cede em nome de sua coloração partidária e eleitoral.

Ao fim, fica claro que a Secretaria de Cultura sob Albino Rubim se tornou, sim, um órgão do Partido dos Trabalhadores – e de sua pior ala: aquela em que a sede de poder suplanta a vontade de mudança. A diferença de Albino pra Marcio não é uma maior capacidade técnica ou política de um ou outro, nem de percepção da realidade. Para Marcio, a Cultura (e não meramente a arte) é uma causa política, e um vetor de transformação da política (a comprovar isso, as novas funções de bunker que o Teatro Vila Velha tem tido desde que o Velho voltou pro Passeio Público); para Albino é um artefato partidário, a ser usado como bem se queira em disputas eleitorais – e isso, convenhamos, é bem pior que o balcão dos Antonio Grassi, Barretão e Paulo Gaudenzi.