O Som das Sextas – XXV

03/09/2010 at 22:57

Sufixos, afixos & onomatopéias de Pré-Verão

Semana passada, o inverno soterpolitano na prática acabou. Termômetros já a 30º ao meio-dia (embora em Amaralina, por causa do vento forte e insistente mas já nem tão frio mais, termômetros marquem 17º às 23h e sem chuva), quando a cidade registrou 13º de sensação térmica em julho (a Bahia não é Nordeste!). Jasmins-manacá recindindo na cidade inteira com seu cheiro doce de cama após o sexo.

Pra quem é bahiano, e viveu o florescer da Axé Music (quando era, diz Maestro Fred Dantas, uma estética de revalorização da negritude e do cosmopolitismo de Salvador – e não o império do mediocrismo que se tornou mais tarde com o Axé-Sistem), sentir o verão chegando é evocar alguns versos clássicos:

Quando você chegar

quando você chegar

quando você chegar

numa nova estação:

te espero no Verão!

E naturalmente se confundir com outro clássico da Banda Mel:

Já pintou Verão

calor no coração

a festa vai começar!

Salvador se agita

numa só alegria:

eternos Dodô & Osmar

Nenhuma outra banda dos primórdios do Axé-Music representou-o melhor: fundia a perfeição a suavidade do axé-music mais classe média, e branco, cujas raízes vão dar na guitarrinha bahiana, com a redescoberta da beleza negra yorubá do Olodum e Ilê cujas raízes profundas vão dar o pagodão por um lado e no ijexá do Filhos de Gandhy por outro.

Mais: a Banda Mel era, e sempre foi bloco de corda. Admirado com inveja pela classe média que saia nos mais caros Pinel, Eva (que hoje aderiu ao Pós-Axé) e Cheiro de Amor (que, ao seu modo, nunca se rendeu ao Axé-Sistem, continuando como um bloco de bahianos para bahianos, com belas canções e quando migrou-se da mortalha para o abadá – um marco do empoderamento do Axé-Sistem – optou por fantasias homenageando o Filhos de Gandhy, o Apaches do Tororó e o Olodum) – o Mel era tido como bloco de preto, de classe C. Sem a violência do Traz A Massa ou da pipoca do Chicletão. Era o bloco da classe média negra, suave e elegante como Batatinha.

Aliás, que outro grupo musical você conhece que incorporou seu nome a um dialeto: “Já fui, Banda Mel!” é frase que vara gerações em Salvador, em qualquer classe social. De sopetão, os únicos outros autores que me lembro terem causado este efeito foram Chico Buarque de Holanda (“joga pedra na Geni!”) e Fernando Pessoa. Não é pouco.

O Axé-Sistem lhe foi inclemente, levando-o a falência e ao desaparecimento. O Axé-Sistem é, como as tiranias, um sistema que se quer eterno, nega e esconde sua arqueologia pregressa e não planeja seu ocaso e seu futuro (qualquer semelhança com o Carlismo e com ACM em pessoa está longe de ser mera coincidência) – está justamente aí a causa de sua queda abrupta e sem ter quem o defenda. O Axé-Sistem, o carlismo, o neoliberalismo – todos sistemas autofágicos. Devoram-se a si mesmos como o Saturno de Francisco Goya, que ao comer os filhos não percebe que deglute a própria perna.

Ironia das ironias, foi um rockeiro a resgatar Jackson, um dos três irmãos da formação original da Banda Mel (se os axezeiros se dessem ao trabalho de pensar, deveriam prestar auto-imolação pública por isso, tamanha a culpa e a vergonha que sentiriam). Eu me refiro a Morotó Slim (Retrofoguetes), que tem levado Jackson pra tocar no seu trio sem corda, e nas diversas edições do (único!) Baile de Carnaval de Salvador, o Retrofolia e o Retroressaca.

E se prova faltava que o Axé-Sistem está vencido e se reformulando para uma outra realidade, mais ampla e melhor para todos, que tal o retorno da Banda Mel, agora chamada BamdaMel, fazendo de tudo para manter e resgatar a identidade da antiga formação?