Uma idéia bastante suburbana

01/07/2010 at 11:14

Em que se pese o fato de que um terceiro grande hospital na capital bahiana, que contivesse a demanda vinda do interior fora da capital, seja urgente e tenha sido realizado com presteza, o Hospital do Subúrbio construído pelo atual governo estadual padece de alguns problemas de princípios – e que são sintomáticos da gestão, ao meu ver muito aquém das espectativas, de Jorge Solla a frente da pasta.

Ao assumir a pasta, Solla corretamente desfez diversos contratos de gestão dos hospitais do interior com a Monte Tabor (que mantem o Hospital São Rafael, em Salvador), trazendo-os de volta para a rede própria do estado. Isso garantiu uma ampliação do alcance e melhoria imediata do atendimento. Deu posse a servidores aprovados no concurso público realizado no governo anterior, numa quantidade muito maior do que o previsto no certame; realizou diversas seleções públicas para Regime Especial de Direito Administrativo (REDA), especialmente focado nas Diretorias Regionais de Saúde (DIRES) não contempladas no concurso de 2005/2006.

Todas estas são decisões corretas, ágeis, e próprias de alguém que dedicou a vida, supra-partidariamente (vale lembrar que ele trabalhou unindo vetores de força com Dr. Zezito, José Maria de Magalhães Neto, irmão de ACM, quando este era secretário estadual e aquele geria Vitória da Conquista) a Reforma Sanitária Brasileira.

Mas, para coroar sua gestão, privatiza o maior hospital construído pelo estado em décadas. Porque não há outro nome para esta Parceiria Público Privada (PPP) que cede o Hospital do Subúrbio para ser gerido (e explorado) pela Promédica, uma operadora privada de saúde.

Eu também acho a gestão própria do Sistema Único de Saúde para o nível terciário de atenção bastante problemática, deixando a desejar. No nível hospitalar, mor das vezes os hospitais filantrópicos são mais resolutivos, como o Santo Antônio (Irmã Dulce) na Bahia; ou, ainda na Bahia, os sem fins lucrativos mas que operam com seguradoras privadas em pé de igualdade com SUS, como a Santa Casa de Misericórida (Santa Isabel).

Ninguém nega, portanto, que este tipo de solução para a atenção hospitalar do SUS. Contudo, vale um contraponto: o Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro, bem como todos os hospitais universitários do país, são rede próprio do Sistema, com leitos 100% públicos – e vão muito bem, obrigado. Vai aí portanto uma verdade interessada, endereçada e (in)conveniente.

Então, qual a diferença da Santa Casa e de Irmã Dulce para um Hospital do Subúrbio gerido pela Promédica. Ora, o lucro! O pulo-do-gato do SUS, em comparação a outros Sistemas Universais de Saúde (Canadá, Cuba, Inglaterra, etc.) é o entendimento (marxista, no sentido econômico do termo) de que a doença é a mais-valia da saúde. E que portanto ninguém deve lucrar com serviços de saúde. O que gera a possibilidade de que, no SUS, os serviços sejam ao mesmo tempo mais baratos e melhores do que na saúde privada. Não são todos (e a ortopedia segue eternamente em sentido contrário), mas cito exemplos: hemoderivados, doação de órgãos e tecidos, tratamento e prevenção de DST/AIDS, vacinação plena e assistência em saúde mental (área em que só agora, vinte anos depois, a saúde suplementar começa a alcançar patamares de excelência e de economicidade que o SUS já exerce através dos Centros de Atenção Psicossocial, CAPS).

A Santa Casa de Misericórdia não tem fins lucrativos, então pode usar a “margem de lucro” dos planos de saúde para manter em igual condição a assistência do SUS (uma área acaba ajudando a financiar a outra); e o Santo Antônio é filantrópico mesmo, e tem parte de seus custos financiado por doações e pela venda dos produtos da Dulce Natura, confeccionados pela população assistida por outros setores das Organizações Sociais Irmã Dulce.

Como a Promédica vai auferir lucro (porque precisa, já que é uma empresa e investiu na construção do hospital tanto quanto o Estado) com verba exclusivamente do SUS, sem cair a qualidade e sem espoliar seus funcionários? De um ponto de vista bem objetivo: como a Promédica vai suportar uma emergência lotada ao ponto de não gerar Autorização de Internação Hospitalar em ritmo suficiente para receber a verba, tal qual o Hospital Geral Roberto Santos (que é rede própria) suporta?

Que engenharia financeira mágica é esta? A não ser que se esteja começando a migrar para um modelo de hospital público em que, se o sujeito der entrada e tiver plano de saúde, o serviço é cobrado deste. O que pode ser muito bom por um lado; ou, por outro, pode vir a ser um retrocesso. Eis um bom tema para a direita de Paulo Souto e a centro-porralouquice de Geddel Vieira Lima baterem. Alguém o fez? Talvez também eles tenham ganhos eleitorais em jogo…

Claro que sem a PPP o hospital não ficaria pronto tão rapidamente, e tão bem equipado. Claro que eleitoralmente é um trunfo (e não estamos dizendo, com isso, que é uma obra eleitoreira) – inclusive porque pode gerar financiamento de campanha. Ocorre que certas vitórias eleitorais são derrotas políticas – e quero crer que este evento relativamente isolado (comparável apenas a bobagem que é destruir o parque olímpico da Fonte Nova pra fazer estádio como a FIFA quer e abrir estacionamento de carro) não chegue a tal.

Este é um dos muitos erros deste final de gestão de Jorge Solla. O novo Plano de Cargos e Salários tem o mérito de corrigir distorções salariais da gestão de Raimundo Perazzo (odiado por isso até por carlistas históricos) – mas até hoje, e lá se vai um ano, não saiu a regulamentação para mudança de nível de carreira (e eu estou a 4 anos estagnado na mesma; pelo antigo plano de carreira, que era muito pior que o atual, eu já teria subido de nível). De onde vêm tais equívocos: de uma partidarização excessiva, mormente ligada ao PCdoB, dentro das diretorias da SESAB subalternas ao Gabinete do Secretário. É como se Jorge Solla se tivesse isolado e encastelado numa torre de marfim desde 2008 – e não vai aí nenhum julgamento moral pela pessoa do Secretário, um brasileiro de que toda a nação deveria se orgulhar. Não por acaso corre a boca pequena que num segundo mandato a Secretaria de Saúde iria para Otto Alencar – a julgar pela capacidade administrativa do Partido Progressista (PP) de João Gualberto em Mata de São João, não seria nada mal…