O Som das Sextas – XIX
Tem tempo que falo deles por aqui, e agora tenho um bom pretexto pra escrever longamente a respeito – já que pra mim, serão eles o grande momento do Conexão Vivo Salvador semana que vem (e devem ter sido esta semana em Vitória da Conquista e Ilhéus). Apesar de o Conexão Vivo ter Otto, ter Eddie, ter Nina Becker, ter muitos outros. Tô falando do Baiana System, claro!
O longo percurso de resistência, cedição, retomada, revisão que nossa geração praticou em relação ao Axé-Sistem parece ter chegado ao estado-da-arte com o Baiana System. Da insatisfação contida, e pessoalmente narrada, de O Círculo (da época de Pedro Pondé) em canções como Depois de Ver e A Janela, até o hip-hop e o pagodão, que silenciosamente (e escarnecido até pelos insatisfeitos da classe média, os rockeirinhos que se opunham ao axé-music achando equivocadamente que tudo que não fosse rock era axé…) resistiram e cresceram; passando inevitavelmente pela retomada da guitarrinha-bahiana que o segundo Retrofoguetes representa (inclusive no sentido de universalização e mundialização sonora).
Não é mera questão de projeto estético. É também geográfico e político. Geográfico porque é no Baiana System que a cidade baixa, do Minestereo Público e do Sistema de Som Perambulante, e a cidade alta, do Baile Esquema Novo e do Rónei Jorge E Os Ladrões de Bicicleta, se encontram; a Cidade Baixa, da Boate Zauber na Ladeira da Misericórdia, e a Cidade Alta, do Rio Vermelho e da Boomerangue.
Político, porque nunca a “cultural jamming” em Salvador foi tão incisiva e precisa como um bisturi cirúrgico, com táticas altamente requintadas e sutis (além de eficientes). Cultural jamming é um conceito que João Lacerda me apresentou hoje por causa deste post no blog da ONG Transporte Ativo, e me perguntou como eu traduziria. Opto por “subversão cultural”, já que com isso se preserva o caráter de estratégia política (onde podem se encaixar muitas táticas: da iconoclastia pura e simples – as vaias dos xiitas camisas-pretas aos trios elétricos nos carnavais dos anos 1990 -, até a negociação diplomática no sentido de partilhar o mesmo público de recepção – como fez a Formidável Família Musical).
Com isso, no entanto, “cultural jamming” perde suas inúmeras ambivalências. Jam aí tem o mesmo sentido de “jam a gun“: fazer uma arma (ou um mecanismo, uma máquina, uma indústria) intencionalmente pifar, dar xabú, fazer o tiro sair pela culatra. E é o que o Baiana System faz com o Axé-Sistem já combalido o suficiente para ceder, e ironizar-se de dentro com o Rebolationtion do Parangolé. Daí vai o Baiana System e ironiza a ironia, com uma letra que diz:
“My name is Russion
Embromation
da Revolution
ao Rebolation“
Simples e sofisticado. Se Andy Wharol fosse bahiano, usaria os velhos bancos empilhados de festa de largo como grafismo. (Obrigado, AMBEV, por acabar com esta forma mundialmente única de painel pictórico popular). É o que faz Felipe Cartaxo nas vestimentas, cenários e capas de disco do Baiana System.
Mas cultural jamming também tem sentido de “Geléia Geral” (ou de muco primevo, como uma madrepérola). E o que é isso senão misturar pagodão, dub, dance hall, reggae, rap, hip-hop, frevo elétrico, lambada, carimbó – e, por que não, axé-music? – tudo de uma vez pra subverter tudo, em pequenos, econômicos, versos e acordes? E não podemos esquecer o sentido de JAM-session (“Jazz after midnight”), que significava o som que as bandas de Jazz do Cotton Club de Nova York faziam não nos ensaios, nem nos shows – mas com os shows já acabados, entre amigos, experimentando de tudo!
Ôxe, como era doce! Como se não bastasse, pela primeira vez o Anti-Axé ou Pós-Axé faz um som sobre carnaval, de carnaval, para o carnaval. Integralmente. Ou, como diz Russo Passapusso: “é pra dançar, mas não tira o pé do chão!” – quem tá embaixo / quer mais espaço / quem tá em cima / quer o seu calor. Quem tá na chuva pula e se enxuga: tá começando mais um carnaval. E o Carnaval, quem é que faz? O Carnaval ainda quem faz é o folião!
[…] sem políticas públicas para ela – “o carnaval quem faz é o folião”, diria o BaianaSystem, no “quem tá embaixo quer mais espaço / se esgueirando feito ninja / no meio da […]
[…] contra o tipo de planejamento urbano de Salvador que alija os cidadãos de sua urbe. Ou que o BaianaSystem, ao ser uma verve pelo carnaval libertário e de dentro dele, também tenha como tema central a […]
[…] que se manifesta também naquela certa acriticidade da banda Maglore; e uma confusão entre optar por usar das táticas do Axé-System (como a BaianaSystem faz brilhantemente), com aderir a suas estratégias e princípios (o que seria abrir mão dos próprios principios e da […]
[…] já não domina tiranicamente e que pode por isso ser renovado (por exemplo, pelo Suinga e pelo BaianaSystem). Quantos estados no país podem se dar ao luxo de ter uma sinfônica corpo estável tocando […]
[…] a música Feira das Sete Portas (que não consta do primeiro disco da Orkestra). E de onde vem o cultural-jamming do BaianaSystem? Ou por que é que a Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, em Recife, tem uma vitalidade e […]
[…] (não por acaso um dos videos de divulgação da Revolta do Buzú 2011 é com canção do Baiana System). Professores, inclusive de escolas particulares, incentivavam os alunos a irem nos protestos e a […]
[…] anos ela não apenas recuperou importância; ela se reinventou pelas mãos do Retrofoguetes e do Baiana System; se reintegrou a negritude (o frevo elétrico é o lado branco do carnaval bahiano; o negro é o […]
[…] um salto de qualidade. Por um lado, a pegada rap se imiscuiu no pós-pagode do Psirico e na cultural-jamming do Baiana System, e influenciou fortemente o primeiro momento de O Círculo ainda com Pedro Pondé. Por outro lado, […]
Nossa, adorei seu texto. Voce escreve de uma forma maravilhosa. Ah, a musica do Russo é: My name is Russion, Embromation, Revolushon ao Reboleishon… Rs.
Favoritarei messsmo!
Se um dia esse blog virar livro, o título será “Da Revolution ao Rebolation – uma crônica da reforma cultural bahiana”.