O Teatro UEC & uma didática do Axé-Sistem

18/05/2010 at 21:09

O empresariado do Axezão não se dispõe a comprar?

A idéia é de Luciano Matos, mas acho que ele nao se importa se eu roubar ela. Pergunta ele: por que os barões do Axé-Music não se dispõem a comprar o Teatro UEC, que vai a leilão pelo Desenbahia, já que eles e seu público pitubano se mostram tão consternados com o fim desta casa que teve um papel fundamental na cultura bahiana?! (nesta última parte, pra quem não entendeu, eu fui irônico).

Levando às últimas consequências esta idéia, o Teatro Jorge Amado poderia assim se tornar uma iniciativa filantrópica dos barões do axezão. Com ela, se mostraria a inépcia das iniciativas do Estado. O que agradaria o PFL, em que eles voltam, e que foi pai e mãe do axé-sistem.

Mais ainda, poderiam nesta casa ensinar como perpetuar o Axé-Sistem, hoje em crise. Formar jóvens produtores, músicos, cantores, entertrainers. Seria uma reação digna de um sistema que vem perdendo terreno mais rápido do que se imagina, e cuja única reação a isso tem sido ceder.

Cláudia Leite, nascida e criada na Pituba, provavelmente ex-aluna do UEC, não pode fazer isso? A Banda Eva, que recentemente abidicou das cordas e do abadá na terça-feira de Carnaval de 2011, também não? Jesus, oh, Jesus Sangalo, tu que manteve a Orkestra Rumpilezz lá por 6 meses; tu, que soube resgatar septuagenário Bal Masqué de Recife, sem tirar dele a centralidade do frevo de palco; tu, Jesus, irmão de Ivete, não pode através da Caco de Telha comprar o Teatro Jorge Amado e fazer dele um pólo de reconciliação do axé com outras tendências, uma sede de todo o amplo projeto de ensino da Rumpilezz (bem maior do que uma big-band de 20 músicos), etc etc?! Bel Marques, do Chicretão, que até em vinhos no Vale do São Francisco tem investido, não pode comprar um teatrinho de bairro nem que seja pra abrir outro Ana Import?

Vale lembrar: Carlinhos Brown fez isso com o Candhyal Gueto Square, já finado; e depois com o Museu du Ritmo, no antigo Mercado do Ouro; e quer fazer em outras áreas da cidade baixa. Mas Brown não só não faz axé-music (e sim axé-xirê), como sempre de algum modo criticou ostensivamente e se opôs ao axé-sistem. Seja com as fantasias da Timbalada, que preferia usar sarongue a se render ao abadá; seja com o arrastão da quarta-feira de cinzas, que este ano trouxe O Galo da Madrugada de Pernambuco.

Como se sabe, todo o axé-music bebe em Carlinhos Brown. Não poderiam beber também nesta fonte? Pelo silêncio ensurdecedor, não, não podem.

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Isto nos leva a velha ladainha de que o empresariado bahiano é medíocre, preguiçoso, gosta de dinheiro fácil, e não investe em cultura – preferindo patrocinar a privataria do chão da rua através de cordas e abadás.

Ora, isso é apenas metade da verdade. O velho empresariado de fato age assim. Mas há um jovem, corajoso, e punjante empresariado que investe no novo, trabalha e se esmera. Se não fosse isso, como é que existiria a Boomerangue, de Alex Góes, verdadeiro bunker do Pós-Axé, onde tudo de novo da Bahia passou: da Orkestra Rumpilezz ao Baiana System, da Retrofolia a banda grapiúna O Quadro. E o Tom do Sabor, que tem sido um palco experimental de luxo, mas com preços acessíveis (e num espaço concebido por João Filgueiras da Gama Lima, o Lelé)? E o Botequim São Jorge, que sedia hoje todo santo dia alguns dos melhores momentos do samba nacional? E mesmo o Boteco Alí do Lado, que cresceu rápido, mudou para um ambiente melhor, e topa de tudo: desde o Samba das Moças (sem medo de vir a atrair um público gay que o axezão apenas tolera) até o partido-alto de Thiago Kalu. Incluiria ainda o excelente Restaurante Dona Mariquita nisso, resgatando de fato a culinária do Recôncavo Bahiano.

No limite, o finado Bar Marquês que apostou todas as fichas num bar que ao mesmo tempo fosse gay e anti-gueto, luxuoso e escrachado, art-nouveau e pós-moderno. E que sediava o excelente espetáculo Trilha Sonora por quase um ano. Moradores dos arrabaldes da Marquês de Caravelas, na Barra, que reclamavam do cabaré neo-decadentista, hoje reclamam de sua ausência – e comentam como a rua ficou morta sem ele…

Mesmo no empresariado privado, o que se vê na Reforma Cultural é um choque de gerações (“de gerações” não quer dizer “de idades”): de um lado, um empresariado seboso e decadente que nada faz e nada enxerga de novo; do outro, um empresariado que, cada um a seu modo, vive sua cidade e acredita nela, e faz acontecer o novo, o diverso, o livre.

De que lado você está?