Um outro Outro

31/12/2009 at 19:18

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Uma coisa notável ocorreu este ano no cinema de ficção que trata e alienigenas, pelo menos em dois filmes distintos – Avatar e Distrito 9: pela primeira vez os extra-terrestres não comparecem como ameaças superpotentes, e sim como frágeis e oprimidos.

Já antes Hollywood havia feito filmes em que o não-terráqueo não comparece de modo ameaçador, antes amigável. Mas antes, ou o Outro era tratado como o Mesmo (O Dia Em Que A Terra Parou, de Robert Wise), e tido como ameaçador e onipotente; ou era infantilizado e digno de cuidados médicos (E.T., de Spielberg).

Nunca antes tais personagens apareceram como iguais a nós, mas fracos e oprimidos por forças do capital – não que eu me lembre, ao menos. Evidentemente que não da mesma forma: em Distrito 9 a premissa é de que, se uma nave daquele porte chegou até estas bandas da galaxia é porque algo deu muito, muito errado. E assim a população que sobreviveu tem um caráter diaspórico de náufragos expatriados – condição nem sempre necessária, mas suficiente, para ser tratado como escória por qualquer civilização estruturada como a nossa o é. Em Avatar é uma espécie hominídia ágrafa, na era da pedra polida e anterior a invenção da roda, que vai-se tentar subjulgar (e antes pela antropologia e diplomacia do que pela força) para extrair de lá minério de alto custo.

Pergunto-me de onde vem esta inflexão inusitada no cinema em 2009 – ano que não por acaso é o primeiro da administração de Barack Obama nos Estados Unidos da América. Obama, que fez um curto-circuito na relação outro-mesmo dos USA (já dizia Caetano Veloso, quando pensava: para o americano branco é branco, preto é preto, e a mulata não é a tal. Ora, Obama é um branco que é preto, um preto que é branco, é mulato, e é o tal).

Não creio que seja apenas contaminação do clima político na produção estética. De algum modo o tema da Diáspora (palestina, negra intra- inter e extra-africana, mexicana, etc.) vem tomando força – talvez pela ascensão econômica de países que se forjaram na Diáspora: o Brasil, e de modo inverso a China e a Índia (cuja população não foi manejada topograficamente pelo dominador colonial; contudo o dominador alí se instalou de modo duradouro e indelével). Surge de algum modo, no cinema, uma consciência do que Eduardo Galeano afirmava no título do prefácio de seu As Veias Abertas da Latino-América: “200milhões de crianças no meio da tempestade”. E sem ninguém que lhes possa socorrer.

São só dois filmes – grandes filmes! – um da Hollywood oficial, outro independentão e sul-africano, a apontar pra isso: que o Outro, oprimido pelo Mesmo, é Semelhante deste Mesmo e não se lhe pode negar direitos.

Não quero com isso ser otimista demais. Minha escolha pela clínica da Psicanálise não me deixa esquecer que o outro será, por nosso mesquinho narcisismo, tomado como inimigo sempre de alguma forma. Mas não deixa de ser um bom algúrio para este ano que se inicia – e que contem a primeira eleição brasileira totalmente fora da sombra do Regime Militar, e o primeiro campeonato esportivo mundial sediado na África. Que seja um sinal dos tempos!