De um Voto (anti)Escravagista

16/09/2008 at 18:39

As eleições municipais de Salvador, este ano, estão não apenas as mais interessantes desde a que elegeu Lídice da Mata, como a mais interessante das capitais brasileiras este ano. E sendo assim, este blog resolveu não apenas comentá-las, como tomar partido. Fica aqui dito: o Último Baile dos Guermantes apoia abertamente a candidatura de Walter Pinheiro (cuja vice é a brilhante ex-prefeita Lídice da Mata, e que forma uma “candidatura tripla” dada a importância que a vereadora negra Olívia Santana tem na composição).

A decisão não foi rápida, nem fácil. Walter Pinheiro é batista, numa cidade cuja cultura é uma miscigenação de catolicismo, muçulmanismo malé e diversas vertentes da realeza yorubá. Tem pouco carisma, e sua candidatura teve o custo de anular uma chapa feminista, como a que elegeu Lídice há mais de uma década: seria Lídice da Mata na cabeça, com Olívia de vice. Mais ainda, me parecia um sintoma do narcisismo infinito do Partido dos Trabalhadores (aquele que taxa o governo eleito de Vargas de ditadura do capital e não vê nele ganhos sociais, mas defende a CLT…) .

Ocorre que semana passada, Pinheiro de um lado, e a campanha de Antônio Imbassahy de outro, resolveram começar a atacar Grampinho (a.k.a.: ACM Neto, mas aqui na Bahia todo mundo chama ele de Grampinho, e com razão, e este blog reserva-se o direito de chamar Grampinho apenas de Grampinho, sempre que ele agir como estagiário da Delegada Kátia Alves, aquela que como Secretaria de Segurança Pública protagonizou o maior escândalo de grampos ilegais do país!). Atacaram mostrando a cena desvairada dele dizendo que ia “dar uma surra no Presidente da República”. Imbassa está no PSDB, que na Bahia abomina o PFL como o diabo não abomina a cruz, e é aliado estratégico do PT há décadas! Imbassa mostra estas imagens e as repudia do ponto de vista cívico (desde que não apoiou Lula, mas tenta seguir a constitucionalidade), o que lhe confere auras de polidez européia – comentarei isso numa outra oportunidade. Pinheiro, pelo horror intestino que o carlismo, mesmo morto, causa a si e a todos nós.

Pese-se também minha atual decepção com a pessoa de Luís Inácio Lula da Silva, em quem não pretendo votar novamente sob nenhuma hipótese – mas isso só vou comentar aqui quando o carlismo estiver morto, de novo. Ou seja: a partir do dia 16 de novembro do corrente.

Mas, o que me interessa aqui é tentar uma análise que parece até agora surda neste discurso de Grampinho, do PFL (o Último Baile se reserva o direito de chamar a ARENA de PFL sempre que o DEMo mostrar que é ARENA). Grampinho diz que não representa a volta do Carlismo, se mostra como uma direita “moderna” (isto é: não feudal, capitalista finalmente), e talvez o seja – até porque, de outra forma não sobreviveria politicamente. Este discurso dele de fato não é, exatamente, carlista, embora lembre a cena de seu avô dando tapa na cara de jornalista em frente as câmeras.

É, sobretudo, uma postura profundamente escravagista: um menino de engenho manda dar umas chibatadas no filho da senzala que não quer brincar conforme as regras dele. Ou um jovem senhor de terras manda punir fisicamente um seu capataz ou capitão do mato (por ora, torneiro mecânico), que não cumpriu o papel que devia – ou porque suspeita que lhe tenha roubado nas contas da casa-grande e da casa-de-purgar.

Pense-se: um candidato pró-escravatura na cidade do mundo que mais recebeu escravos negros, por mais tempo. Como pensa ele dar conta da, hoje, massa de dois milhões e meio de escravos alforriados (é isso que são, até agora, 120 anos depois) que vivem na Capital Barroca?! Ou dos 4 milhões, se incluirmos a Grande Salvador e o Recôncavo?! No tronco do pelourinho, como gostaria ele, sem nenhum disfarce, de fazer com o Presidente da República?

Isso tudo justificaria não votar em Grampinho. Até porque, Grampinho tem uma faixa de votos que ele não vai perder nunca por ser, hoje, na franca democracia em que Salvador vive, o único tipo de voto rigorosamente ideológico: votam nele os carlistas doentes, e fim de papo. Seus índices de rejeição estão, sempre, maiores que suas intenções de voto, descontada a margem de erro – ele é primeiro lugar em ambas as hipóteses.

Escolho Pinheiro por ser quem mais tem chance de derrotar o Carlismo novamente, e não apenas Grampinho. As pesquisas dizem que é Imbassa o que mais chance tem – mas elas, numericamente, são chute, já que estamos ainda a três semanas do primeiro turno. Pinheiro reúne as condições porque, primeiro, é o único em cujo programa eleitoral Lula poderá aparecer sempre e sempre no segundo turno (estrategicamente, Lula me interessa, embora o repudie epistemicamente). Ele está babando para “dar uma surra”, só que discursiva, neste fedelho – enquanto Imbassa, ex-carlista de última hora, e João Henrique, sob as bençãos do oportunista Geddel Vieira Lima, podem sempre ser cooptados (caso haja um segundo turno entre candidaturas anti-carlistas).

Vale lembrar a máxima sadeana: não basta matar a Monarquia uma vez – é preciso matá-la sempre de novo, e de novo, e depois de morta espicaçá-la. Tiranias são verdadeiros zumbis (sem trocadilho) políticos: em parte por estarem sempre precocemente mortas, nunca morrem de todo definitivamente…

Nos próximos dias comentarei a polarização das municipais na capital baiana este ano: é a única em que cada grande partido tem candidato próprio, e dentro de um escopo político claro (direita, centro direita, centro, centro-esquerda, esquerda). Algo como o país teve nas presidenciais de 1989 – o que mais uma vez corrobora que a Bahia foi o último lugar da América Latina a sair da ditadura militar: estamos cá vivendo, em todos os aspectos, os “anos de abertura”, tardiamente.