O trambolho nosso de cada dia

13/10/2009 at 13:37

Do blog do Luís Nassif:

Agora, na véspera da COP-15, me chama muito a atenção como não se fala na incrível ineficiência dos carros. Parece que ficamos alienados com a beleza dos carros de hoje e esquecemos de fazer as perguntas óbvias.

Se procurarmos no Google as palavras INEFICIÊNCIA, CARROS, MOTOR A COMBUSTÃO INTERNA, pouca coisa relevante aparecerá. Por que escondem a incrível ineficiência dos automóveis?

O grande físico Amory Lovins, fundador da ONG Rocky Mountain Institute e chamado de Guru da Eficiência Energética, há tempo vem chamando à atenção para a ineficiência dos automóveis de hoje.

Apesar de toda evolução no que se refere ao conforto e à eletrônica embarcada, a eficiência energética permaneceu praticamente a mesma desde que o automóvel foi inventado na década de 1880. Na verdade o automóvel é um dos equipamentos mais ineficientes que existem e pouca gente fala disso, ou por desconhecimento ou por não ter interesse em falar do assunto. Amory Lovins é exceção.

Ele diz que, considerando-se um carro médio nos EUA (o que logo logo não estará tão longe do Brasil, visto o crescimento das vendas de SUV’s e similares por aqui), cerca de 87% da energia do combustível nem chega às rodas do veículo, sendo perdida em:

– perdas do motor à combustão interna

– transmissão mecânica

– paradas do veículo

– acessórios (ar condicionado, etc.)

Dos 13% que chegam às rodas, metade é perdida na resistência do ar e no atrito dos pneus.

Portanto, apenas 6,5 % de toda a energia do combustível move o carro. Porém, como os carros são pesados demais, a energia acaba sendo usada para movimentar o automóvel e não o passageiro. Assim, chega-se à conclusão final:

Considerando-se apenas um passageiro no carro, somente 0,3% da energia do combustível é usada para mover essa pessoa. É como se, de cada R$ 100,00 que colocamos de combustível apenas R$ 0,30 fosse usado para aquilo que desejamos, ou seja, nos locomovermos. Inacreditável. O produto de uma das maiores indústrias do mundo tem uma eficiência de 0,3%.

E o que é preciso fazer? Obviamente, atacar as principais ineficiências do carro, ou seja, motor, peso e aerodinâmica. Alguns exemplos mostram o caminho.

É aqui que começo a discordar: não há solução para o carro (a não ser, talvez, alguma política de car-sharing que vá além da “carona solidária”) – e sim sem o carro.

Solução que é possível mesmo numa cidade com um transporte coletivo tão ruim quanto o de Salvador. Desde o último Dia Mundial Sem Carro, passei a fazer meus percursos em dias úteis de ônibus, com uso do bilhete único. O bilhete único de Salvador é uma falácia: a segunda perna, tomável em até no máximo uma hora, não é gratuita, e sim apenas tem valor de metade do preço normal. E mesmo assim só se você pegar uma linha de outro setor (que são quatro: A, B, C e D). Se por exemplo, você emenda um ônibus setor B com outro setor B, terá de pagar inteira novamente.

Ou seja: considere-se que meu uso de bilhete único implica em pagar quantas passagens forem necessárias para integrações suficientes que não me deixem esperar no ponto mais do que cinco minutos.

tabela de consumo energetico

Ainda assim, é mais rápido – e confortável! – do que usar carro. Vou lendo no percurso, sentado, e vendo a cidade; eventualmente, paquerando (hábito urbano que depende inevitavelmente do andar a pé: desde esse mesmo período já me bati três vezes com um carinha aqui da rua que sempre, sempre, me olha e sorri. De carro, isso não ocorreria). O tempo total é, no máximo, 10 minutos a mais do que de carro, às vezes é menos.

Note: pagando duas passagens, e ainda assim é menos do que eu gastaria de combustível. E eu não estou aí contabilizando os custos de IPVA, seguro de automóvel, revisões e manutenções, estacionamentos.

Donde se pode concluir duas coisas: 1) a classe média de Salvador, que tanto pragueja contra o (péssimo!) transporte coletivo da capital bahiana, é quem menos pode reclamar. Poucos bairros são tão bem servidos de linhas de ônibus como a Barra, de um lado, e o Itaigara, do outro; 2) o uso de bicicleta é pedagógico até mesmo para adesão a outros meios de transporte.

Quero dizer que não mais usarei automóvel individual? Não. Na verdade, sou a favor ainda da idéia de que todo cidadão tem direito a ter seu próprio automóvel – bem fordista. O que não pode é ele limitar seu léxico e sua sintaxe de deslocamento a ele. Ciclistas que só usam bicicleta usam pior do que quem usa vários meios, porque não compreendem a “linguagem” e o “ponto de vista” de quem está ao volante, a pé, ou de ônibus por exemplo. Como na nutrição e no ensino da língua materna, o importante é incentivar a variabilidade lexical, os múltiplos níveis de linguagem. E fazer o sujeito se perguntar sobre qual é, para aquele percurso, o melhor meio de transporte. Se for o carro pessoal, ótimo. Se não for, por que usá-lo? É pura carrodependência!

E, sobre bilhete único, vai abaixo a proposta radical do ex-Secretário de Transportes do Governo Erundina, em São Paulo capital, Lúcio Gregori: o passe livre permanente, e a extinção da figura do “cobrador de ônibus” da “passagem” e da “catraca”. Parece utópico? Na Austrália é assim…