Tuas ladeiras e montes, tal-qual um postal

15/09/2009 at 0:28

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Relações possíveis & impossíveis entre um plano cicloviário e a barroquíssima Capital da Diáspora*

A primeira fantasia de que Salvador não serve para andar de bicicleta é sua topografia. É uma cidade completamente barroca, pendurada no topo de cadeias de montanhas que não se comunicam naturalmente entre si. Foi assim pensada para ser uma fortaleza natural, quando era capital do Império Ultramarino Português. Pra quem nunca veio em Salvador, uma boa maneira de imaginá-la é como um Rio de Janeiro às avessas: um Rio que só ocupa o topo dos montes, que não são redondos e de pedra, mas de barro e em escarpa. Uma enorme Santa Tereza, cercada de mar por quase todos os lados (é uma península).

Suas ladeiras são de fato íngrimes demais para subir a pé (por vezes, até para os carros, que não conseguem passar da segunda marcha mesmo a trânsito livre), que dirá de bici. Não a toa, seu mais famoso cartão postal é um elevador urbano de 70m de altura. Elevadores urbanos seriam a grande solução de transporte para Salvador: no topo dos morros anda-se com prazer, por vezes em bairros arborizados como Graça, Vitória, Nazaré; nos vales, grandes vias expressas sem semáforos (os bairros se ligam, para os pedestres, topo a topo de morro, por belas passarelas de João Filgueiras Lima) permitem transporte de massa ou individual célere.

Com o calor úmido daqui, subir ladeira pedalando implica em chegar ao topo empapado de suor.

Eis que aí está o mito: a bicicleta serve sim como meio de transporte dentro dos bairros e nas avenidas de vale. A questão é que se precisa de dispositivos para guardá-las nos sopés de ladeira e nas duas entradas dos quatro (Planos Inclinados do Gonçalves, Pilar, Liberdade, e o legendário Elevador Lacerda – ainda poucos) elevadores urbanos existentes no Centro Histórico – de modo que o ciclista possa guardar sua bicicleta e migrar para o ônibus, bonde, trem, etc. Ou então entrar nos elevadores urbanos (o problema é que são só quatro, respondendo por uma área que hoje é 1/10 da cidade…) portando a magrela – que voltaria a ser pedalada no cume ou no vale, conforme o caso.

Para tal, caberia ao poder público municipal resolver a questão. Isto é: caberia aos ciclistas cobrar da Prefeitura a construção de bicicletários em terminais de trem e ônibus, e em certas instituições (universidades, shoppings centers). Planejamento cicloviário que vá além de local de estacionamento e de tráfego, mas que tenha em mente as peculiaridades barrocas de Salvador.

* Série de três artigos feitos a pedido do blog da ONG Transporte Ativo, conforme divulgamos, a sair um por mês, até outubro.