Por um País do Futebol

15/06/2009 at 13:10

Do blog de Luís Nassif, ontem:

O escândalo, no caso, não é o comércio clandestino de jogadores, é a não exploração do potencial brasileiro. Vende-se matéria-prima (jogadores) em vez de desenvolver o valor agregado (a economia interna do futebol).

Lembro-me de, em 1979 ou 1978, ter escrito um artigo para a Playboy onde já estava claro o papel que as grandes transmissões televisas teriam na criação de uma indústria de entretenimento riquíssima. Lá, com meu otimismo injustificado, previa que em pouco tempo o Santos voltaria a ser uma estrela internacional sem sair de casa, apenas com os direitos de transmissão.

Um bom artigo do Plínio Fraga, na Folha, abordando esse desperdício brasileiro.

Da Folha

PLÍNIO FRAGA

Por entre as pernas

RIO DE JANEIRO – O ministro Guido Mantega vangloriou-se de o Brasil emprestar cerca de R$ 20 bilhões para o FMI. Um feito histórico para quem tem antecedentes de bancarrotas. Se Mantega e Lula decidissem montar com esse dinheiro um time de futebol, quantos jogadores conseguiriam comprar e manter por algumas temporadas? Mais ou menos 22 jogadores. Está certo, seria o melhor time do mundo, com Kaká, Robinho, Cristiano Ronaldo, Figo, Crespo, Shevchenko e Buffon, mas não é pouca coisa demais para o esforço de caixa feito por um país como o Brasil? O dinheiro ajudará a socorrer nações mais pobres que naufragam na crise mundial, mas, quando levado para o negócio do esporte, resume-se a pagar pouco mais de duas dezenas de pessoas.

(…)

Mais do que fazer um libelo sobre a desigualdade social absurda, vale questionar a incapacidade de uma política esportiva nacional que permita ao Brasil transformar o futebol, e em consequência o esporte, numa força motriz econômica. É tema de relevância pública que não pode ser deixado nas mãos de espertalhões como ocorre hoje. Produtores da maior “commodity” esportiva do mundo, os craques, os clubes estão endividados, e seus dirigentes e atravessadores, ricos.

Sinais claros de malversação muito superior ao valor de centenas de Kakás e Cristianos Ronaldos e de que o país está tomando um drible por entre as pernas.

E, enviado por twitter pelo ex-Plantitus, texto também da Folha:

O time e o estilo de Dunga têm dado certo, sem dúvida. Mas, para mim, falta alguma coisa na seleção que a faça ter algum atrativo. O futebol de resultados, como o nome diz, busca em primeiro lugar a vitória. Mas alcançar esse objetivo e parar por aí, quando se trata de seleção, é pouco.

Em uma crônica de 2007 chamada “Seleção sem povo”, o escritor Ruy Castro explica os motivos por que acha que “a seleção se divorciou do povo”. Para ele, a seleção “reduziu-se a uma legião estrangeira que, mecanicamente, canta o hino antes do jogo”.

(…)

Luís Fernando Veríssimo já disse em um artigo que todo time precisa de um dunga –assim mesmo, com letra minúscula, já que no texto o nome do jogador vira substantivo comum, sinônimo de jogador de destruição.

Precisa. Mas basta um. No máximo dois, no caso de no banco já haver outro como técnico.

Comentário: Não é demais lembrar que minha apreciação pelo futebol, se há (é recente, talvez sejam os ares juninos e a vontade agreste de bater coxa, ralar bucho e forrofiá no xiado da xinela até a percata rebentar, que me deixam straight – e mais do que straight, docemente cafajeste), é meramente estética. Aprecio como jogo – no sentido de que o flerte é um jogo (sem vencedores), e que o xadrez é um jogo onde a vitória importa menos do que o percurso (aliás, os grandes jogos de xadrez no mais das vezes não tem vencedores…).

Sendo assim, acrescentaria ao Nassif que a questão não é apenas fazer do futebol mais economicamente viável, distributivo; mas, com isso, fazê-lo voltar a ser arte, e artesanato. Talvez seja preciso não industrializar o esporte, mas fazer um tipo de “Arranjo Produtivo Local” e de cooperativismo. Não é possível que a poética dos campos de barro de subúrbio não dê frutos, senão dentro do resultismo europeu – e aí criando abismos sociais e de reconhecimento cultural.

É como se todo filme brasileiro pra ser bom tivesse de ser do Fernando Meirelles, hollywood-way. Ou como se todo escritor tivesse de ser Paulo Coelho – ruim, sem nenhum vínculo com nenhuma tradição brasileira ou latino-americana, mas multi-traduzido.

E, claro, o povo sente. Sente que o baba do fim de semana, que praticam com esmero de artíficie, nada tem a ver com o mete-gol que a Globo vende goela abaixo, depois das 10 da noite.

Que a Copa de 2014 sirva também para isso: pra ver se o futebol brasileiro escapa desse axezismo em que se meteu.