Porquê (não) gosto de Futebol
Nunca consegui gostar de futebol. Futebol de time, pelo menos. Tentei, na Copa de 1994, talvez alçado pelo ufanismo de ter o primeiro político eleito para Presidente da República em 40 anos (Collor não conta) no vácuo de uma até então impensável estabilização econômica com aumento de empregabilidade (3 anos depois ele vendeu a Vale, e deu no que deu, o resto é história). Tinha eu 13 anos de idade, e me encantou a idéia de torcer juntos pela nação, e de bater baba.
Baba, pra quem não sabe, é geralmente tido como “pelada em bahianês”. Não é a mesma coisa. A pelada, carioca, mantem a lógica do futebol de clube: dois grupos adversários, dois gols, regras específicas, ganas de vencer. No baba, a configuração é mais livre: mesmo quando há times, a molequeira pesa mais do que a vitória. Muitas vezes há um só gol, ou gol nenhum (baba salão); geralmente é jogado descalço, e qualquer objeto que role serve de bola, até caroço de manga (já vi mesmo com côco verde – !).
De tal modo é a brincadeira que pesa, que até o aspecto violento do futebol – usado nos jogos oficiais e nas peladas como artifício escamoteado – no baba fica às claras, e eventualmente torna-se o fator proeminente do jogo: o baba-pau.
Fato é que passados os urros estadunidenses de junho de 1994, voltei ao meu desdém pelo esporte bretão-tupiniquim. Me parecia um esporte sem a fineza da arte que tanto se dizia ter. O objetivismo inócuo (deve-se fazer gols, mas eles raramente ocorrem) me entediava. Mais: o fanatismo incapaz de diálogo, próprio dos torcedores de times, também.
Lia Nelson Rodrigues, Zé Lins do Rêgo, João Cabral, e todos elogiavam certa poesia (e capacidade de diálogo) do futebol que eu nunca conseguia enxergar. A não ser quando via Garrincha em, por exemplo, Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos. Por outro lado, recentemente a idéia de futebol de rua tem me encantado: lá, onde o (homo)erotismo (nos times, velado, e que só vem atona, nestes, em forma de agressividade sem objeto) fica exposto sem camisa, mas só o suficiente para lhe dar liga; o drible, a beleza do diálogo entre dois ou mais corpos (em geral masculinos, belos de um modo defeituoso e não-óbvio, e jóvens) cuja única linguagem (mais: único significante) é a bola, fica evidente. E me causa parar na rua só pra ver. Dá até vontade de jogar.
Pois bem, até que este mês vi esse gol de Nilmar, acima. E me fez parar, no café da manhã de segunda-feira, com a xícara na mão, o queixo caído, e a boca mole balbuciando quase sem som: “ca-ra-lho…!”. É pura poesia, não apenas lírica, mas épica e dramática. Desde a dicção e sintaxe frasal das pernas, até o vigor lusidíaco do avanço sozinho por seis (seis!) adversários, até a precisão cabralina e enxuta da bola na rede.
Se todo futebol fosse assim, eu torcia. Mas hoje prevalece o futebol block-buster, de resultados e entre os resultados o lucro aos patrocinadores, times e cartolas. O futebol hoje é como um cinema sem Spielberg, Kubrick, Trufaut. Uma literatura feita só de Paulos Coelhos. Uma música em que só há Madonna.
Eis porque não gosto de futebol: talvez porque nasci tarde demais para ver Zico (o último dos poetas da bola) jogar…
Irei sim, e com gosto.
À procura por notícias da Vila Brandào entrei no seu Blog. Gostei muito e assino embaixo de quase tudo o q vc escreve(ainda não li tudo).Só não concordo com Pituba= Higienópolis. Pra mim, está mais pra Ribeirão Preto.Esteticamente, e dentro daquela sufocante cidade de São Paulo, Higienópolis é uma encantadora viagem. Existe um movimento, começando, chamado Vozes de Salvador que está discutindo também questões como essas que vc aborda. No próximo sábado,às 10hs, no auditório do PAF I (Ufba-Campus de Ondina), faremos uma reunião. se você puder aparecer, será benvindo.
Não, não há. Há objetivismo claro. Não é demérito: o Tênis, elegante, é objetivista – e por isso não tem a gratuidade própria da arte. O Futebol é o único esporte cuja graça está não na vitória (o gol) mas na gratuidade (o drible). Tanto assim que um jogo pode ser belíssimo e zero-a-zero (o que aproxima o futebol da paquera e do flerte, estas duas artes-íntimas urbanas); um time pode vencer e jogar mal e feio; ou perder jogando com brilhantismo e beleza. Só o futebol, entre os esportes de disputa direta, e entre os coletivos, consegue ser arte. Não tem jeito!
Portanto, o baleado também propiciava o entrelaçamento “linguajeiro” e gratuito de corpos túrgidos e espetaculares.
Não é que considera a feiúra. Estética implica em relações linguajeiras de jogos: a capacidade, intencional, de criar relações novas entre significantes. No futebol, esse é o cerne da história: ganhar, perder ou fazer gols não importa. Importa a gratuidade do drible – sua força poética. Em nenhum outro esporte de time isso comparece. Menos ainda no dito “baleado”, que é bem objetivista: acertar o outro com uma bolada.
Se “estética” considera a feiúra, não haveria termo mais adequado para o baleado, que gerava oscilações entre belo e feio e, sim, acontecia ali na orla da Pituba, atraía moradores daqueles bairros e, por isso, mais surpreendente o fato de que ali mesmo propiciava a contemplação pacífica e até eufórica da fechação.
Salvador – este blogueiro insiste desde que nasceu – fica entre o Rio Vermelho e a Ribeira. Ao norte de Amaralina ainda está por se provar que haja civilização…
Rapaz, na Salvador em que eu vivo não há “camuflagens” e quase toda ela é de convivência inter-tribus ampla e irrestrita. Talvez não vivamos na mesma cidade. E não atoa o “baleado” de que você fala fica na Pituba – uma área que não é Salvador, mas Higienópolis-com-mar.
Vale lembrar que “estética” e “beleza” nada têm a ver, necessariamente. Os versos de João Cabral de Melo Neto não podem ser tido como “belos” – são, alguns, feios. Mas nunca a poesia em lingua portuguesa alcançou tal patamar estético intrínseco.
Acho que você não entendeu quando falo de estética: não é da beleza dos corpos dos eventuais jogadores (Garrincha era feio de doer!), mas a relação linguajeira que se estabelece entre dois corpos através de uma bola. Relação cuja causa e efeito são meramente linguajeiros – isto é: sem propósito, salvo em si mesmo. Daí a beleza do drible, do baba – mas não do jogo de time.
RETIFICANDO: Outra coisa, o fato de não ser o baleado um esporte oficial não lhe retira a possibilidade de ter características estéticas. Os corpos e as formas nos jogos adquiriam sim adquirir beleza e arte sem que houvesse glúteos hercúleos nem panturrilhas de Aquiles. Ademais, o local era um dos poucos espaços de convivência da diversidade nesta cidade onde as pessoas insistem em se camuflar. Portanto, tem pertinência com os assuntos trazidos neste blog.
Sem mais.
Irei, um dia, de bom-grado. Qualquer manifestação urbana me interessa. De resto, este blog é tão elitista quanto xibieteiro: tem um pé nos palacetes da Graça, e outra no samba-duro dos IAPTECs da Ribeira…
O baleado do jardim de alah (sim, eu sei que era no jardim dos namorados, ao lado, mas prefiro me referir ao jd. de alah, pq tradicionalmente é um local onde há liberação de costumes, diariamente, a partir de determinado horário) era sim um “jogo de bichas” que ocorria naquelas quadras e atraía um público espectador tão conservador como o da Pituba e cercanias e, ainda assim, essas pessoas torciam, vibravam, animavam, festejavam, junto com os meninos que, na quadra, demonstravam muito mais arte, exuberância e vigor físico do que qualquer jogador de futebol drogado ou moleque de baba. A orla do jardim de namorados ganhava ambiência de praia do Porto da Barra (não estou me referindo à beleza física, ok?) no pico do verão, contudo com muito mais audiência, cor, euforia, proporcionando, ainda, local público para que as “bichas” praticassem exercícios físicos sem serem ridicularizadas, ao contrário, ovacionadas. Aliás, em geral essas “bichas” compareciam ao baleado após saírem das barracas friendly da Praia dos Artistas, eram pessoas de menor poder aquisitivo que não podem frequentar as academias “fervidas” da cidade. Sei que não seriam eles os leitores deste blog, embora a Internet não os ignore, vide os hits do YouTube “Gays da Barraca Aruba”. Espero que você ainda tenha a oportunidade de participar ou mesmo frequentar de um baleado que era um luxo único!
Não sei quem é este rapaz, embora bem-vindo seja como são todos. Não jogo baleado desde que tenho, sei lá, 10 anos de idade. Não é um esporte-arte (como a capoeira, as diversas ginásticas, o nado sincronizado, parte das artes marciais do extremo-oriente, e como o futebol de antanho). O tal “Baleado do Jardim de Alah”, só conheço de ouvir dizer. Parece que era um evento de umas bichas lá… Mas era no Jardim dos Namorados, se não me engano. Como uma galera que conheço também jogava rugbi e futebol americano lá. Mas insisto: este blog serve a considerações estéticas (e portanto políticas); e políticas (e portanto estéticas). Quando se falar de esporte aqui, será sempre neste sentido. Isto é: sobre obras-primas de arrancar lágrimas, como o Gol de Nilmar…
texto sobre baba aqui??? me faça uma garapa. quero uma resenha sobre aqueles lendários baleados do jardim de alá que eram lindos, puro luxo, poéticos e idílicos. adooooorava o perigo daquele baleado!